Adejair mijou na sala
Leitura: 3 minAdejair mijou na sala.
Chegou do trabalho, botou a piroquinha pra fora – Ney Matogrosso riu – e mijou. Molhou, com aquele mijo amarelo, quente, cheiro de vinagre, o tapete, as revista da Escola Dominical, a Bíblia, as batata frita e a Julia, a filha dele, de 5 meses, que tava deitadinha, bonitinha, fofínea, no bercinho, enquanto a mãe foi na cozinha pegar um copo dágua
-Adejair? -kekié porra -VOCÊ MIJOU NA PORRA TODA ADEJAIR -mijei krlh mijo mermo porra, MIJO MERMO
Enquanto Maurizete tinha os olhos fitos na poça de mijo, uma luz surgia no quarto do casal. Era a cama, que pegava fogo, porque Adejair tinha virado uma cisterna de querosene e acendeu o fósforo.
Mas não foi só isso. Adejair não fez nada aleatoriamente. Ele planejou mijar na sala, incendiar o quarto, deixar o gás aberto, as torneira do banheiro jorrando água, os fio desencapado no chão, no caso, no chão molhado de mijo, e 5 meses sem pagar a light, com a equipe de corte de luz tocando na campainha.
Maurizete então teve um momento grande angular e viu o tamanho da caralha. A vida dela estava, definitivamente, um inferno. E Julia, chorando, mijada.
O teto caindo. Porque Adejair juntou 600 mil corpos no telhado de casa. Pedaço de gente caindo na sala, sangue, podridão.
E a TV ligada, no último volume, no show de Sérgio Reis.
Maurizete, por um momento, só ouviu o silêncio de dentro da sua cabeça, enquanto via seu marido Adejair balangando a cabeça da rola respingando mijo no prato de frango empanado.
Ela decidiu que o réu primário, bem guardado na gaveta, seria gasto naquele momento.
Ela vai na cozinha, e puxa, de trás da geladeira, o oitão.
E chega na sala, com a arma na cara de Adejair, e fala, em voz baixa, enquanto cai uma perna na cara dela, chuva de cadáveres:
-Tu vai morrer, teu filo da puta.
O olho de Maurizete tremia de ódio. Anos suportando esse homem. Homem que não cagava, e quando cagava, era pela boca.
Maurizete perdeu amigos, família, tudo, desde o dia em que esse homem entrou na sua casa. Mas agora ele ia morrer.
Até que ela ouve uma voz na porta.
-Alôu. Alôu. Há do verbo haver, no caso em questão, alguém na residência?
Era uma voz limpa, exceto por momentos em que ficava grossa, do nada, como se Satanás falasse.
-Quem tá aí?
A porta abre. Um vulto, treva e perfume patchioli, um homem de paletó cinza e uma maleta na mão.
Michel Temer.
-Adejair, o que esse homem veio -CALMA AÍ PORRA, parece que é burra, Maurizete. Ele veio consertar as coisa aqui em casa. Tu acha mermo que eu queria
mijar na criança tacar fogo na cama desencapar os fio queimar o arroz abrir as torneira botar defunto no telhado ?
EU NUNCA QUIS OFENDER, Maurizete.
-Vai, Temer, diz aí pra ela, como é que a gente vai resolver isso. RA RA RA RAAAA. Só tava brincando, tá ok? Falaí, porra
-Minha senhora. Verba volant, scripta manent -VAI TOMAR NO SEU CU, VÉIO DA CARA QUADRADA, VAI MORRER OS DOIS -Pare, pare, só um minuto. Veja como eu levanto a mão em reprimenda, com meus dedos ósseos e finos, e a pele enrugada de uma de minhas mãos, o que denota uma existência milenar em alguma sepultura, vim-lhe falar-vos comnvosco, deveras perece em que pese o atordôo de tais miasmas na vossa caixa de pensamento,
estás bolada? estás, eu sei, sei-lho, sei-lho-ei-me, sei-lho-emos, mo.
Entretanto de que nada adiante o fustigo de tal regrega demanto rábia, recebo-vos em meus impropérios de mera cascalascância limítrofe em rabagésima vontade, posto que vento, posto Ipiranga.
-Adejair, o que esse porra vai fazer aqui em casa? -Ele vai consertar as coisa, Maurizete. Porra. -Consertar como, a merda que tu fez, Adejair, todo esse tempo
Temer então abre a pastinha.
-Consertar-vos-ei de. Tenho em minhas mãos, de fenda uma chave? Não. Posto que Adejair te pede que eu te entregue esta carta.
-CARTA? -Abri-a, pois. Autocarro. Auscultadores.
Maurizete abre a carta, e lê:
FOI MAL, TAVA DOIDÃO.
Na vida real, Adejair continuou vivo. Nessa história, Maurizete salvou a menina, amarrou os dois dentro da casa e gastou todo seu réu primário, esquartejou o ex e o atual, feliz da vida.