As putas estão conquistando Portugal

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As putas estão conquistando Portugal.

Eu não sabia nada sobre Portugal, exceto o que pelos livros de História, e pela CRÍTICA histórica chegava até mim. E não era nada bom.

Mas uma coisa eu descobri, logo que pus os pés em Lisboa: que brasileiros, se homens, são ladrões e malandros, se mulheres, são putas, se gays, são aidéticos, se negros, tudo isso, e macacos.

Vocês já devem ter assistido jogos de futebol onde, inclusive, torcedores europeus jogaram bananas para jogadores negros, brasileiros e de outras nacionalidades.

Mas eu fiquei sabendo, no meu PRIMEIRO DIA de Lisboa, que

MULHERES BRASILEIRAS EM PORTUGAL SÃO CHAMADAS DE PUTAS.

No primeiro dia, eu soube. Uma amiga que já estava aqui, fez questão de mandar uma mensagem alertando sobre o péssimo tratamento dado a brasileiros e brasileiras, estas, vítimas ainda do machismo que impera no país.

Portugal é um barril de pólvora. Sorte, pra nós todos, que é um barril pequeno. Mas com um karma maior que o da Alemanha.

Há poucas semanas, no Dia do Trabalho, o primeiro de maio, data comemorada pelos comunistas e socialistas portugueses, o jornal português publicou uma notícia.

Mulheres brasileiras são o grupo que mais empreende em Portugal.

Veja bem: não apenas entre imigrantes. Eu disse EM PORTUGAL. Incluindo as portuguesas e homens, portugueses e de outras nacionalidades.

É algo MUITO importante. As MULHERES BRASILEIRAS SÃO AS LÍDERES NO EMPREENDEDORISMO EM PORTUGAL. Superando TODOS os outros grupos, nacionais, internacionais.

Ou seja, brasileiros que vem para Portugal, são em sua maioria trabalhadores assalariados do setor de tecnologia, finanças e startups, ou assalariados da indústria ou outras áreas, incluindo serviços e restaurantes, e empreendedores.

Segundo o Alto Comissariado das Migrações, brasileiros já lideram o ranking de empreendedores no país, correspondendo a 65% dos projetos de abertura de novas empresas, contra 9% de portugueses que conseguem fazer o mesmo.

A cada 100 empresas abertas em Portugal, 65 são de brasileiros, 9 de portugueses.

É praticamente uma São Paulo além-mar.

Movimentando a economia, fornecedores, fábricas, setores inteiros, gerando emprego, renda, salários para portugueses. Brasileiros tiram portugueses do desemprego. Brasileiros contratam portugueses por salários de mercado, sendo cumpridores das leis trabalhistas e fiscais, uma vez que

POR OUTRO LADO os mesmos brasileiros que empregam portugueses, são agredidos por estes nas ruas.

Um brasileiro emprega um português para que o filho deste português pratique bullying com o filho do seu empregador brasileiro, chamando-o de burro, macaco. Um brasileiro traz dinheiro e gera trabalho para vários portugueses para que estes digam ao brasileiro, quando vai à universidade, que ele é analfabeto e não sabe escrever o “português correto”.

Mas já diz Racionais: “nosso dinheiro, eles nunca recriminam”.

Empresas de tecnologia, games, Netflix, Amazon, Disney, HBO e outras empresas já tem o português BR como principal para os seus produtos. Eu não chamo de português BR, mas o magnífico e imponente idioma brasileiro.

Brasileiros em Portugal já influenciam as peças publicitárias. Atores brasileiros começam a aparecer nas propagandas, textos publicitários começam a usar verbos na conjugação brasileira, até crianças portuguesas começam a falar brasileiro, pois consomem conteúdo no Youtube de influencers cariocas, baianos, paulistanos.

Provavelmente os netos do Presidente da República de Portugal falam mais como nós, pois o filho dele mora em São Paulo, onde desenvolve atividades empresariais.

Chamamos os portugueses de colonizadores, exploradores. Mas uma mulher portuguesa, em 46 anos de vida, nunca vi ser chamada de puta.

As mulheres brasileiras que vem pra cá, sobreviveram ao machismo estrutural brasileiro. Sobreviveram ao feminicídio. Sobreviveram ao desemprego, a fome, a desigualdade, e agora a xenofobia e ao racismo.

Ser mulher não é fácil em nenhum lugar do mundo, e as brasileiras aqui precisam lidar com todos estes problemas.

São chamadas de putas por causa do episódio das Mães de Bragança. Uma história de mais de uma década, quando brasileiras (e portuguesas) foram trabalhar como profissionais do sexo nesta cidade. E os homens, vamos dizer assim, se tornaram assíduos clientes.

As prostitutas de Bragança movimentaram a economia local. Mercados, roupa, setor estético, cosméticos, saúde, gastronomia. Tudo.

O que as mulheres portuguesas fizeram?

Um abaixo assinado, proibindo a entrada de brasileiras na cidade e o fechamento dos estabelecimentos.

Mulheres batendo em mulheres. Enquanto isso, todos os homens foram poupados. Continuam lá, procurando garotas de programa, traindo as esposas, só que agora, encontram mulheres por aplicativos.

Acho que as Mães de Bragança não vão conseguir proibir a internet de ficar na cidade.

O estigma sobre brasileiras então se intensificou. Que elas são putas, que vieram pra “roubar marido português”. Amados, tanta nacionalidade querendo casar com brasileiras. Me poupe, corno.

Mas as mulheres brasileiras aqui, só tem a si mesmas.

E estão vencendo. E se tornando cabeça.

E puta nem é xingamento pra mim. Tenho grandes amigas, brasileiras e, repito, portuguesas, putas, que trabalham nessa Europa de meu Deus, fazendo programa e pagando faculdade, construindo sua casa no Brasil, abrindo negócios. Muito mais honestas que Bolsonaro, seus filhos e seus apoiadores.

Mas vocês chamaram e chamam brasileiras de putas. Elas, que venceram uma guerra, e continuam vencendo.

Eu escrevo este texto, porque pelo menos três dessas putas são pessoas que estão na minha vida. Minha companheira e esposa, a Bianca e a Amanda.

Minha esposa, que já dormiu comigo debaixo de escada, já trabalhamos vendendo comida e sacolé na rua, ela é uma grande chef. A melhor do mundo, porque é mesmo. Ela abriu uma Pet Shop. Depois de ser assediada por portugueses no trabalho, depois de andar Lisboa inteira procurando emprego, depois de muito se decepcionar, ela hoje abriu, com recursos nossos, uma Pet Shop num dos bairros mais chiques de Lisboa. A Festo Pet Club. A Bianca correu atrás, depois de trabalhar em cafés, e entrou de sócia, e chamaram uma outra mulher, cabo-verdiana, para a sociedade, a Ziza, jornalista formada na UERJ, morando em Lisboa há alguns anos e colunista na Coluna de Terça.

Que pertencia a outra brasileira, que voltou ao Brasil.

Amanda chegou menos de um ano. O marido é músico, e toca nas ruas de Lisboa. Ela é fotógrafa, produtora. Trabalhou na Coluna de Terça produzindo nossa live de sexta. E é escritora. Amanda abriu um café, chamado Pingado.

Eu dei o nome.

Pingado, de café pingado. Que em Portugal, se chama Garoto.

Hoje foi a inauguração do Pingado. E a Festo está com agenda lotada, clientes contratando serviços, produtos, uma relação forte, que mostra que este país pode ser para todos, e que os valores precisam ser repensados.

Mas por hoje, eu quero celebrar.

Vocês, os que odiaram brasileiras, e as humilharam, e as chamaram de putas, pois bem.

As putas estão dominando Portugal.

E em breve, talvez você trabalhe pra elas.

Reconheçam o poder criativo e a força da mulher brasileira. Que veio, pra ficar.

Escritor e ativista social, nascido em Madureira, Rio de Janeiro. Em 2016 lançou Rio em Shamas, indicado ao Jabuti de 2017, pela Editora Objetiva. Foi roteirista na Rede Globo e Multishow/A Fábrica, colunista da Folha de São Paulo e Metrópoles.

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