Eu quero voltar ao Brasil

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Eu vi o Lula na Europa essa semana, e por mais que a gente saiba que 2022 vai ser um ano difícil, por mais que haja quem discorde da candidatura de Lula, eu pensei numa coisa simples:

eu quero voltar ao Brasil.

Interessa quem vai governar, e ao mesmo tempo, eu quero voltar. É um direito meu. Eu sou da periferia, eu sou desta terra, eu tenho críticas ao Lula, mas foi no governo popular dele que eu saí da condição de camelô, para educador popular e escritor. E veja, respeito muito meu tempo de ambulante. Mas eu tive oportunidade. O motoboy hoje não pode sonhar em ir pra faculdade, a doméstica, anos atrás, não apenas sonhou, como cursou faculdade e viajou de avião. Mas foram tempos duros para o povo negro. Eu saí do Brasil com duas malas. Pouca roupa, nenhum patrimônio. Não deixei nada. Nem uma cadeira, nem um bule, nem um tapete de banheiro. Tudo que tínhamos, acabou.

Eu exijo meu país de volta. Esse chão é meu.

E vou ter ele de volta. Porque a libertação será coletiva, e popular.

O destino do Brasil não é o fascismo. O futuro do Brasil é negro, e mulher, e trans, e vivo.

E no Brasil cabem todos, de todas as cores, de todos os gêneros.

Muitas pessoas, inclusive de esquerda, me humilham publicamente porque dizem que eu minto ao estar exilado. De fato, eu não uso essa palavra, quem a usa em relação a mim é o The Guardian. Quem atesta o que aconteceu comigo é a Polícia Civil de três estados, é a Procuradoria da República de Portugal e a Embaixada. Jean Wyllys foi ameaçado pelo mesmo grupo. Fomos, ambos, pelo mesmo grupo, em mesma medida. Na minha casa, no Rio, chegou um saco de lixo, com o aviso de que ali dentro viria a cabeça da minha mãe. Eles ofereceram 40 mil reais pra me matar numa FLIP. Me chamaram de macaco, de viado, de criolo. Me ofenderam e um deles foi preso. Este que é envolvido com assassinatos em escolas e lugares públicos, praticados por incels. Eles todos apoiam Bolsonaro.

Eu não tenho que provar pra ninguém o que aconteceu comigo. A imprensa que investigue de novo, busque os documentos. Ouça as pessoas que me trouxeram. Ocorre que esses militares e policiais que julgam ter superpoderes, eles são pagos com meu e seu dinheiro.

Militares não são os donos do Brasil.

Evangélicos não são os donos do Brasil.

Militar e igreja são instituições servis, que servem, e não podem existir para serem servidas. Eu não admito que nos tornemos um cativeiro de pastores e militares.

Vocês, militares e pastores, vão se arrepender do que estão fazendo. Vocês, todos, que elegeram Bolsonaro, políticos, empresários, religiosos, familiares: vocês vão se dar mal,

etcetera

e tal.

Vão pagar com juros. Esse meu sofrimento, e o sofrimento de MILHÕES que sofreram, perderam a vida e os que sofrem MUITO MAIS QUE EU. Porque eu me reergui. Mas há amigos que estão debaixo da guilhotina, todos os dias.

Eu sigo me tratando. Terapia, medicação, exercícios, afastamento e distância monitorada das redes. Eu já não leio os comentários nem interajo. E isso tirou um peso de mim.

Inclusive, peço: nos apoie. Eu só tenho vocês. Nosso time tem voluntários e remunerados. São pessoas comuns, do povo, alguns de periferia. Pagam aluguel, água, luz, com o dinheiro que dividimos no fim do mês. Quando eu parei de estar aqui, mais de 50 pessoas nos deixaram. Era como se eu tivesse que ser o palhaço animador de auditório todos os dias. E como preciso me cuidar e das minhas doenças, eles nos esquecem, não façam isso. Por tudo que já entreguei e entrego.

Me lancei nas periferias de Lisboa. Vou trazer jovens comunicadores de várias favelas do Rio pra serem jornalistas. Envio dinheiro todo mês para coletivos que ninguém manda um PIX. Nós precisamos voltar pra base. Estar nela, dividir o pão, o gás, a carne, o arroz. Não podemos morrer. Temos um ano de luta pela frente. Eu vou voltar. E quando eu voltar, eu vou abraçar muitos de vocês. Eu quero ver pessoas que só conheci por aqui. Mas eu quero de novo pisar na porra do meu chão. Você não vai vencer, Bolsonaro.

O seu dia vai chegar. Vai.

Escritor e ativista social, nascido em Madureira, Rio de Janeiro. Em 2016 lançou Rio em Shamas, indicado ao Jabuti de 2017, pela Editora Objetiva. Foi roteirista na Rede Globo e Multishow/A Fábrica, colunista da Folha de São Paulo e Metrópoles.

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