Minha primeira vez no médico na França

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O consultório, pequeno, fica há uns 200 metros da Torre Eiffel.
Zerei a vida diabética.

Hein.
Antes, na fila do PAM de Bonsucesso, agora, no CABINET MEDICAL no suvaco da Torre. A minha vitória hoje tem sabor de mel.

Mel não, que aumenta a glicose, sabor de adoçante. Stevia, que é mais caro. Doce Menor. Ainda tem Doce Menor? Aquele que pingava as gotinha, o café ficava com gosto de detergente.

SIM. Quem não provou detergente, desperdiçou um vasto pedaço da vida chamado segunda infância.

Amei a consulta.
A médica disse que eu tava ótimo. Que não tinha necessidade de tanto remédio, que não precisava medir tanto a glicose, que não tava gordo pra fazer bariátrica, disse que eu tava bem, bonito, interessante, pegável. Senti uma medicina humanizada aí.

Mediu minha pressão, e disse: reléquesse. Aaaaahhhh.
E abriu os braços.

Eu respirei, abri os braços e disse: aaaaaah. Ela riu.
Estava ali consolidada minha entrada no sistema de saúde francês.

No consultório, não tinha recepcionista. A médica tinha a própria maquininha de cartão pra receber pagamento de paciente privado. A impressora, tava meia boca. Mas assim: zero glamour, embora em Paris.

Me pus a pensar nos médicos brasileiros, que odeiam pobre. Nos médicos que odeiam médicos cubanos, que vão a lugares que eles, brancos limpinhos, não vão. Odeiam doente, odeiam povo.

Como os médicos que ontem aplaudiram Bolsonaro, que se livrou de TODAS as acusações da CPI da Covid. Uma verdadeira putaria.

700 mil mortes, e a PGR livrou o cu dele. E ele debochou da CPI e os médicos, MÉDICOS, aplaudiram.

Esses médicos não são os médicos de emergência que tiveram que DORMIR dentro do hospital, ficar meses sem poder entrar em casa e ver a família. Esses médicos não viram SACOS E SACOS de cadáveres em Manaus, São Paulo e Rio.

Não.
Esses médicos tem recepcionista. A recepcionista tem uma recepcionista. Eles não falam com você na rua. Eles são deuses. Querem vir pra Paris, pra comer crepe frio, sem gosto, que é o crepe vendido aqui, na frente da Eiffel. Parece um papel mole, morno.

SIM. EU TAMBÉM COMI PAPEL. Merda.

A médica me ajudou a fazer os orçamentos do remédio. Me explicou como seriam os exames. Ficou uma hora, eu disse: UMA FUCKING HORA INTEIRA comigo e me ouvindo. E ainda me disse onde vendia um café bom, porque eu tava com fome.

Levantou, abriu a porta, foi pegar papel higiênico pra por no banheiro.

Entende?

Nós somos cafonas.
Achamos que bonito é ser caricatura de colonizador. Desprezar motoboy, porteiro, AQUELE MÉDICO FRANCÊS QUE HUMILHOU O PORTEIRO NEGRO, ele AMA O BRASIL porque ele pode ser racista e medíocre a vontade. Porque na França, ele não levava um processo. Ele levava uma surra de pau. E ainda queimavam o consultório dele.

Coisas que eu sempre disse qu deveríamos fazer. Copiar o francês naquilo que ele faz de melhor: FLAMBAR CARROS DE POLÍCIA.

Amo.

A gente chega lá. Já, já.

Saúde tá boa. Do corpo, do coração, da alma.
A França me acolheu com dignidade.
Vou ali na rua ver as blogueira sertaneja serem ridículas.

Escritor e ativista social, nascido em Madureira, Rio de Janeiro. Em 2016 lançou Rio em Shamas, indicado ao Jabuti de 2017, pela Editora Objetiva. Foi roteirista na Rede Globo e Multishow/A Fábrica, colunista da Folha de São Paulo e Metrópoles.

somos a primeira voz
que você ouve pela manhã.
a última com você na cama.

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