Não usemos o prazer em vão
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Confesso que quando li essa semana uma reportagem sobre o crescimento de sex shops dedicadas a evangélicos no Rio, fiquei um pouco animada. Porque assim, superficialmente, a gente enxerga que algum tabu tá sendo quebrado. O contexto do prazer dentro de uma religião que prega a submissão da mulher ao homem é muito importante de ser discutido, e se isso é feito através da venda de produtos eróticos para mulheres evangélicas, já estamos um passo à frente. A questão é por quais razões? De que maneiras estamos falando de sexo para esse público específico?
Há um tempo venho notando o quanto de machismo se encontra nos produtos eróticos em geral, que vão desde géis adstringentes com nomes de “Sempre virgem” a anestésicos com a finalidade de “facilitar” o sexo anal.
Se vendemos um produto que tem a capacidade de fazer com que a vagina tenha seus músculos retraídos e endurecidos a fim de proporcionar algo diferente pro prazer do outro nós já começamos errado. Primeiro nessa noção da preciosidade da virgindade, dessa ideia de dar-se para o outro, esse sentido inaugural que damos para a primeira penetração, redução comum do caráter do sexo muito difundida por aí. E se a buceta não tá molhada e está apertada assim, é porque não está havendo estimulação suficiente. Se você precisa de um gel anestésico para sentir prazer anal ou para poder ter alguma relação anal, é porque ainda não teve tempo de descobrir esse prazer sozinho ou acompanhado. E anestesiar essas sensações não vai fazê-lo gostar (gozar) disso. Tudo voltado o que, para o prazer do homem, igualzinho na vida real.
Então, vejam que nada é perfeito, e não é porque é sex shop que difunde os melhores valores e maneiras de ver o sexo. Isso aí pra começar.
A primeira vez que eu tive contato com esse comércio de produtos sexuais entre mulheres evangélicas foi quando morava no Tabajaras, em Copacabana, e uma vizinha evangélica, muito sutilmente, feito avó passando dinheiro embaixo da mesa como se fosse droga, me confidenciou que vendia produtos de sex shop, me ofereceu e já fez a sua propaganda. Embora não fosse evangélica, eu era o público-alvo: mulher casada com homem, num relacionamento monogâmico.
Porque as sex shops evangélicas têm essa função: a de preservar casamentos. O sexo é visto como um momento de intimidade entre os dois, homem e mulher, cumprindo seus papéis esposais de perdurar numa relação e construir uma família.
Nada é voltado pro autoconhecimento e pra descoberta de si, muito menos do próprio prazer – tudo é imaginado para ser feito a dois, e de preferência entre marido e mulher, sob os olhos tementes de Deus.
Produtos de cores sóbrias e nomes lúdicos, nada muito explícito. É como se o explícito fosse vergonhoso, assumir ter prazer e dar prazer pro outro fosse algo a ser sutilmente omitido, embora nunca tenha-se parado de gozar por aí.
Esses produtos voltados para o prazer do homem, pra amenizar os sabores do sexo, lubrificar os buracos para a penetração, sem que haja um pensamento voltado para o prazer da mulher, muito menos para o conhecimento desse prazer. Se você não vende e não fala de masturbação, a mulher deixa pra desenvolver seu prazer com o outro, cumprindo funções que lhe são esperadas como mulher, sem nem saber exatamente do que gosta e como gosta, mas apenas feliz de estar realizando as fantasias de seu marido e de conseguir manter o casamento com o varão. E ninguém-se-conhece-nem-aprende-a-se-amar cumprindo expectativa do outro e da sociedade.
Ou seja, bacana, um avanço, porém, pelas razões erradas e de maneira equivocada.
Sigamos.