Ser gorda de fio dental na praia
Leitura: 3 minNão sei se vocês já pararam para pensar nisso, mas fio dental pra mim sempre foi uma coisa que só os corpos malhados do posto 9 da praia de Ipanema podiam usar. Pra usar biquíni fio dental tinha que ter aquela bunda perfeita, toda durinha, pequena e sem imperfeições. Sem celulite, sem estrias. Fio dental tava nos cartões postais do Rio de Janeiro, tinha que ter corpo de rainha do carnaval, de atleta, de modelo. Isso porque eu achava que esses corpos precisavam e só podiam ser magros.
Então eu nunca achei que tinha mesmo esse direito.
Até ver na tevê a Jojo Todynho. Jojo hoje já virou um tamanho próprio de biquíni e eu adotei com muita honra esse tamanho pra minha vida. Por que é que eu achava que a minha bunda não podia ser exposta num fio dental na praia? É que por muito tempo eu achei que meu corpo não deveria ir à praia, que o meu corpo precisava ficar escondido, devia ser omitido de qualquer paisagem, o meu corpo era vergonhoso, não era exemplo algum de beleza, o meu corpo era gordo, doente e nem devia existir. Muito menos de biquíni fio dental.
O fio dental é essa parte mínima de biquíni, que só cobre a parte da frente e expõe toda a sua bunda na praia, as duas nádegas inteirinhas, e só tem aquele triangulozinho que tapa o cóccix atrás.
O biquíni, que tem as mesmas peças de calcinha e sutiã para cobrir as nossas partes mais sexualizadas – buceta, bunda e peitos -, e que na praia só é permitido por causa do tecido. Os dois são sexualizados porque vestem os corpos femininos, mas o biquíni pode. Renda é pra calcinha. Lycra é pra biquíni. Se for de renda na praia é porque é puta mesmo. Lingerie é coisa pra seduzir, pra apimentar relacionamento, não é mesmo? Só que não também. RISOS.
Mas de biquíni fio dental é quase como você tivesse pisando nessas concepções, porque você está expondo mais do que deve, embora o tecido seja permitido em locais públicos. A ideia das pessoas é que, no mínimo, é preciso ter bastante autoconfiança pra usar um fio dental. E a Jojo Todyinho me mostrou que isso era possível sendo gorda. Foi ela quem me deu permissão pra usar fio dental na praia e eu sou eternamente grata por isso. É sempre assim, né, é disso que trata a representatividade: quando a gente vê que alguém com o corpo parecido com o nosso faz alguma coisa, a gente se permite. A gente entende que o mundo quer que a gente acredite no contrário, mas a gente vê e se permite.
E eu tenho me permitido usar biquíni fio dental na praia, pela primeira vez, aos 36 anos de idade. Pra mim é um espetáculo. Não uso a fim de entreter ou atrair ninguém, mas confesso que a minha bunda num fio dental é realmente algo digno de ser visto. Como é que eu demorei tanto a me expor dessa maneira? Eu devia ser aplaudida quando chegasse na praia, risos, mas por enquanto sou só assediada mesmo.
Aposto que você tá lendo e me achando arrogante, metida, cheia de mim. Cheíssima, meu bem, cheíssima de mim. Imensa, gorda, linda. Eu me acho mesmo porque sou, e você devia fazer o mesmo. Para de achar que precisa que te digam o quanto você é linda e começa a enxergar o espetáculo que é amar a si mesma nesse mundo que só nos ensina o auto-ódio e a falta de representatividade. Eu me recuso a ver o meu corpo como feio, doente e algo a ser omitido. O meu corpo é lindo e eu cansei de escondê-lo e acha-lo menos.
Vida longa ao fio dental e à alta autoestima dos corpos gordos!