Na ONU, Bolsonaro esconde estratégia de desmonte de direitos humanos
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O governo de Jair Bolsonaro omitiu em um documento entregue para a ONU (Organização das Nações Unidas) toda a informação sobre suas políticas de direitos humanos, limitando-se a relatar as estratégias que existiam no país até 2018, antes de sua gestão, e usando programas de governos passados para defender seu suposto compromisso com direitos fundamentais. O documento servirá de base para que o Comitê de Direitos Humanos da ONU avalie o país e promova uma sabatina sobre a situação brasileira em temas como direitos civis e políticos, minorias e racismo.
Diante da omissão, entidades da sociedade civil, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), indígenas e grupos religiosos apresentaram informações que contrastam com a versão oficial, acusando a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, de liderar uma “cruzada ideológica”. Membros do governo explicaram para a coluna que o documento de base foi entregue para a ONU em 2020 e que, portanto, ele foi preparado no primeiro ano do governo Bolsonaro. O argumento era ainda de que a informação enviada se referia ao período entre 2004 e 2017 e, em alguns casos, até 2018.
O relatório circulou entre os peritos internacionais do comitê em agosto de 2021, mas a justificativa usada pelo governo sobre o período avaliado causou mal-estar entre ativistas. A percepção é de que o governo usou desculpas procedimentais para não se ver obrigado a revelar detalhes de sua própria estratégia. Não há, nas mais de 50 páginas do informe submetido pelo governo, nenhuma referência aos planos de Bolsonaro para o tema de direitos humanos e nem orçamentos para os diferentes programas.
Houve tempo e espaço, porém, para que o governo explicasse num dos trechos do informe que a antiga pasta de Direitos Humanos tenha se transformado também em Ministério da Mulher e da Família, parte da cruzada ideológica da ala mais conservadora do bolsonarismo. Grande parte do texto, porém, é permeada por explicações sobre políticas criadas ainda sob os governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, sem que os nomes dos ex-presidentes sejam citados.
A última vez que o Brasil havia sido submetido ao exame foi em 2004. Nos anos seguintes, a entrega de um novo informe por parte do estado brasileiro atrasou. Sob a gestão de Damares Alves, a pasta de Direitos Humanos se comprometeu a quitar os atrasos. Mas, frustrando a esperança de observadores internacionais, optou por não incluir nenhuma referência às próprias ações. Um exemplo da omissão é o trecho do documento que trata dos povos indígenas. O informe oficial do país diz que “o governo brasileiro respeita o princípio constitucional da autodeterminação dos povos, como ilustrado, em todo o país, na demarcação das terras indígenas”. O documento, porém, não revela que Bolsonaro prometeu publicamente que nenhuma nova terra seria demarcada em sua gestão. No documento, o governo cita a trajetória do orçamento da pasta de Direitos Humanos. Mas oculta o que ocorreu nos três anos do governo Bolsonaro e apenas diz que “nos últimos anos, o governo brasileiro empregou vários esforços para inserir a agenda dos direitos humanos em todas as políticas governamentais desenvolvidas por vários órgãos da administração pública”. No capítulo sobre gênero, o informe oficial do governo aponta que “os dados indicam uma evolução positiva em relação à renda média em benefício das mulheres: enquanto a renda média dos homens apresentou um aumento de 31% de 2004 a 2011, a renda média das mulheres apresentou um aumento de 44% no mesmo período”. De acordo com o documento, sem citar o nome do presidente que comandava o país naquele momento, “o governo brasileiro começou a considerar o combate à violência contra a mulher como uma ação prioritária na agenda do governo, buscando fortalecer e aumentar as medidas e ações multisetoriais destinadas a combater e punir os perpetradores de tais delitos”. Mas não existem referências às denuncias que existem sobre como os recursos para a proteção da mulher caíram em anos recentes.