Dos nojos do corpo

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Essa história do perfume íntimo da Anitta me fez pensar muito sobre os nojos que a gente tem de nossos próprios corpos. Somos continuamente ensinadas a pensar assim sobre todos os fluidos que habitam e são expelidos pelo nosso corpo. E ninguém precisa passar cocô na cara nem beber a própria menstruação como se fosse tang, mas a forma como somos ensinadas a odiar e ver os nossos corpos, diz muito também sobre a misoginia que nos cerca.

No início da minha vida sexual, por exemplo, eu achava que maneiro mesmo era beber o sêmen do meu namorado, obrigatoriamente, em todas as transas que tínhamos, porque entendia aquilo como uma hierarquia dentro das habilidades que me faziam mulher. Ou dentro das concepções erradas de amor que eu tinha e que me tinham ensinado. Eu achava que isso ia me fazer ser mais aceita e mais amada. Ledo engano.

Eu achei péssimo na primeira vez que senti aquele gosto e me lembro de ter me sentido muito mal por isso. Eu me sentia menos por não ter gostado do gosto assim, logo, de cara. Eu me sentia assim, incapaz por causa disso. Como eu queria ser boa de cama e como eu dizia amar o meu namorado se não suportava aquele gosto? Eu me sentia obrigada a gostar. Por que será que eu nunca havia me questionado quanto a isso antes? Cês tão entendendo o que eu tô dizendo? E hoje eu percebo que até gosto, mas não tem nada a ver com essa hierarquização misógina e com o fato de querer ser aceita ou amada. Tem a ver com o que eu quero, com o que eu tô a fim na hora, e não acontece toda vez, nem com todo mundo.

Cês entendem que antes, se um namorado resolvesse me chupar menos por achar que eu tinha um sabor ou cheiro ruim ou diferente, eu jamais questionaria? E tentaria me “limpar”, me tornar mais “cheirosa” pra ele, a fim de não perdê-lo? Me sentiria mal com meu próprio corpo, teria mais nojo ainda dele e aceitaria com frequência não ser chupada. A gente nem questiona. Essa é a questão. Pode parecer absurdo, ou até mesmo exagerado, mas essa é apenas uma das obrigações que a cisgeneridade nos impõe nesse pântano de hierarquizações de habilidades sexuais em prol do prazer de quem, adivinha: dele sempre, né, o homi.

Tem muito pouco tempo que eu me dei conta disso e que eu passei a amar e conhecer o meu corpo também. Porque eu fui criada também nessa atmosfera subentendida que a cisgeneridade heterossexual (mas não sou hétero, por favor, não me confundam RISOS) coloca sobre nossos corpos e que é um grande poder sobre nós. Porque é isso, né. Que poder é esse? Quanto menos a gente se conhece, menos a gente questiona. Mais a gente deixa esse poder na mão do outro, que mais prazer obtém com a nossa submissão. Menos a gente acha que merece. Mais a gente vive em prol do prazer do outro.

Hoje sei cada momento do meu ciclo, cada textura, cada fluido que sai do meu corpo e posso reconhecer facilmente quando algo não vai bem. E isso nada tem a ver com o gosto que as pessoas terão ao me chuparem, por exemplo. Mas com a maneira que encontrei de conhecer o meu corpo e de naturalizar os meus fluidos. Fora que, vamos combinar que também tem muito homem cis hetero por aí que faz um esforço danado pra gostar de vulva. Na real, se reclama demais eu já acho que nunca gostou mermo. Já vi homem reclamando até de buçanha molhada demais, olha, vou te contar, hein…na maioria das vezes eu gosto mais de buçanha do que a maioria deles. Pra mim nunca foi uma coisa que fizesse com que eu me afastasse, muito pelo contrário. RISOS sempre achei deliciosa aquela suculência ali, e posso dizer que um dos maiores prazeres que há na vida é o de fazer uma pessoa com vulva gozar na sua boca. Real. E pra mim, hoje, o meu prazer é uma das minhas maiores prioridades na vida, não só no sexo.

Então, Anitta, cê vai me desculpar, mas eu não vou conseguir te defender dessa. Perfume íntimo é imposição misógina do patriarcado, que se esforça tanto pra gostar de buçanha, mas tanto, tanto, que precisa disfarçar pra conseguir enfrentar o que tanto odeia e o que tanto exige. É assim mesmo que eles nos querem: sem nos conhecer, odiando e tendo nojo de nossos corpos. E eu é que não vou cair nessa. Óbvio que vai vender à beça, porque é muito mais fácil se render a dançar conforme uma música patriarcal que tá tocando há séculos, do que aprender a se amar e passar a questionar isso. Principalmente quando se é criado nesse berço misógino de onde viemos.

Além de todas as outras questões referentes à saúde íntima e a manutenção do ph da vagina, por exemplo, que eu nem vou entrar no mérito de escrever aqui.

Eu sei que eu tô cansada de ter nojo do meu corpo e odiá-lo como se ele só tivesse nascido pra ser mais “agradável” e pra dar prazer pra alguém – o homi.

Conheçam seus corpos e apenas parem de odiá-los. 

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