Não mexe comigo, eu li uns posts.

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Como uma geração de usuários de redes sociais se apropriam dos discursos de movimentos sociais para buscar imunidade em seus erros cotidianos.

A feminista que não

aceita a crítica.

A geração que não

aceita verdades.

Eu fiz dois posts essa semana que renderam críticas pesadas, principalmente de mulheres que se identificaram como feministas, hegemonicamente brancas, majoritariamente de classe média ou alta, e esmagadora maioria: jovens da geração Z. Com perfis abertos, com canais de TikTok ativos pra dancinha, com carão e filtro Summer estourado, calça jeans 3 números acima, tênis preto da Vans, o supra sumo da idade etérea.

Crítica a gente lê. Nas páginas, em razão das constantes ondas de violência direcionada à pessoa do autor, restringimos o acesso, ou apagamos o comentário, ou bloqueamos a conta. Ou tudo isso. Se a pessoa fica no texto, sem adentrar em ofensa à pessoa ou bullying, o comentário fica. Se desenha ofensa no texto, leve ou pesada, entra pra análise. E o problema nem é ela. É que ela encoraja outras pessoas que não falam nada, ou porque tem medo de se expor, ou porque não sabem se expor, e elas fortalecem outras ofensas que vem na sequência, e é como uma onda. Daqui a pouco, você tem uma nuvem de CENTENAS de pessoas te agredindo.

Ser educado, por vezes, resolve. Mas na maior parte das vezes, a pessoa só quer atenção pra, com o holofote nela e os segundos de fama, poder praticar bullying digital ou ofensa direta.

Em ambos os casos, o motivador do bullying é basicamente uma divergência com a opinião da página e autor.

É aí que mora o problema.

Não estamos falando aqui de pessoas de direita. Mas ditas progressistas, integrantes de movimentos. E muitas, feministas, no caso deste texto.

As argumentações são as mesmas: você não pode falar porque é homem, você não pode falar porque nós não autorizamos, e se você insiste em contra-argumentar, você é sexista, misógino, patriarcal, esquerdomacho, e até quem me chamou de branco burguês.

E se você, AINDA ASSIM, insiste, as ofensas abrem. Babaca, demente, fudido, jornalista de merda, mal comido, “se os PMs querem te estuprar, lamento dizer, mas concordo com eles”.

ISSO: vindo de pessoas que se afirmam feministas e progressistas.

Não é um exposed. Não tenho idade pra isso. É um fato. Acompanhe a página diariamente e você vai ver.

Até porque eu acho que isso não desmerece um movimento. ATÉ PORQUE EU ACHO QUE AQUILO ALI NÃO É MOVIMENTO.

“Essa juventude está em retrocesso. Se comportam como crentes, tem problema com tudo que um crente tem, só que é pior: eles se sentem acima dos crentes, verdadeiramente elucidados dos mistérios do mundo.”

Para muito além do feminismo. O feminismo, teorico e político, e eu tendo a me envolver mais com este último, ou seja, o feminismo enquanto filosofia política que interfira em decisões de Estado, melhor, qualifique tais decisões, e aprimore políticas públicas para mulheres e todos os demais, uma vez que o feminismo em seu viés político é uma teoria social, política e ECONÔMICA, tanto quanto o marxismo (e se você não concorda, precisa rever valores), esses feminismos plurais tem gente que estuda, que lê, escreve, produz pensamento, influencia na sociedade, constrói propostas reais. Essas pessoas na verdade passam bem menos tempo nas redes que os militantes virtuais.

O feminismo político no Brasil é um dos movimentos mais inteligentes na sociedade, digo inteligência estratégica, de articulação. Estamos falando de nomes como Manuela D’Ávila, entre centenas e centenas de outras mulheres, brancas e negras, classe média e faveladas, que pautam o movimento nas estruturas. Mulheres com caneta na mão, com poder, com influência, com embasamento.

Isso difere em muito de Thread de Twitter ou Instagram. O feminismo praticado nas redes é um produto mais sintético, feito por vozes que se preparam para transmitir conhecimento na comunicação de massa. Mas amigo, tem mais uma camada: a camada dos e das seguidoras. Que apenas consomem e, se muito, replicam. Esse grupo há. E esse grupo tem muitos jovens. E jovem é sempre jovem. Não há profundidade em muitos casos, e há a estética da lacração, onde o bullying a um emissor de mensagem sempre é a expectativa a ser alcançada, pois isso nos projeta no grupo.

Esses dias eu escrevi sobre dois temas: putas e Fiuk no BBB.

Vi que a avalanche de comentários negativos e ódio impulsionado foi no nível dos policiais de dezembro, que me ameaçam de morte ou estupro, ou ambos.

É muito comentário, já na última fase, da ofensa aberta, insistente, espumante.

Essas pessoas fazem isso, porquê será?

Nasceram no mundo digital, sim, já estão nesse ambiente de cancelamento. Mas nós, que produzimos conteúdo, somos ESCRAVOS dos que nos leem? Luis Fernando Veríssimo é meu cronista particular? Não se dá limite a leitor? O cliente tem sempre razão?

Nestes dois posts, a putafobia, a transfobia e as concepções equivocadíssimas de anti-porn vieram a tona. E mesmo no texto do Fiuk, a raiva e a declaração de proibição de, ou alertar para um problema que eu, como homem, consigo ver, tanto que o texto foi muito lido, ou mesmo de poder falar sobre um fato social. Mulheres que odeiam putas e mulheres que “não precisam de conselho de macho”, fizeram questão de se manifestar. É certo que vivemos um extermínio de mulheres no Brasil, é certo que há homens dizimando mulheres. Mas o discurso feminista brasileiro contemporâneo precisa aceitar o fato que ele já está vencendo na cabeça de muitas pessoas. A minha geração é muito dura, mas com já dez anos de escuta, muitos de nós já conseguimos ver qual a lógica por trás dos discursos de equidade no feminismo. Alguns homens já conseguem ler e se aprofundar no feminismo negro e mulherio africana. Então, se atualize, porque o público que você estigmatiza já tem mudanças.

E há uma diferença entre criticar a EXISTÊNCIA de um feminismo, e criticar para que ele SE APRIMORE PARA ALCANÇAR MAIS MARGINALIZADAS E MARGINALIZADOS. Mas tem uma coisa que esse pessoal não gosta: ser criticado. Entendem a crítica como ataque a sua existência, e dramatizam a dor, a estética da violação, principalmente em debates e acusações nas redes. Eu considero infantil. E é.

Mas isso NÃO É exclusividade do feminismo “digital”. Essa postura reativa tem com os socialistas, veganos, cristãos, todos. O problema piora quando você sabe que essas pessoas são acima de tudo, brancas, e posiciona a arma pra esse ponto. E atira. O feminismo, branco, O socialismo, branco. O veganismo, branco. Fazendo com que eles de cara se neguem a aceitar que sejam brancos, agindo como brancos. Então fazem tudo o possível pra te silenciar …(continua)

Anderson França é escritor e diretor na Coluna de Terça Apoia.se/anderson

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Escritor e ativista social, nascido em Madureira, Rio de Janeiro. Em 2016 lançou Rio em Shamas, indicado ao Jabuti de 2017, pela Editora Objetiva. Foi roteirista na Rede Globo e Multishow/A Fábrica, colunista da Folha de São Paulo e Metrópoles.

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