O poder de falar sobre as coisas

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Tá vendo o que é o poder da televisão? Porque vocês querendo ou não, gostando ou não, pessoas como a Anitta marcam presença massiva nas redes e também na televisão. E se não ocupam a televisão acabam chegando indiretamente nas representações das obras e programas de lá. E se hoje tem discussão sobre homofobia em Pantanal é porque pessoas como ela circulam e alcançam lugares a que nunca imaginávamos que esses papos chegariam. Posso ter muitas questões com Anitta em relação a marketing, mas não deixo de reconhecer sua importância e seu trabalho, e definitivamente a maneira como ela trata o sexo e a sexualidade publicamente nunca me pareceram um problema, muito pelo contrário. Aquela coisa, né? Os tabus só são quebrados quando falamos sobre eles. E sexo e sexualidade sempre foram e sempre serão tabus quando vierem da boca de uma mulher cis hetero como Anitta. 

Aí você vê, Anitta, uma mulher super aberta quanto a sua sexualidade, que hoje tem acesso a um monte de coisas, que explora e conhece seu corpo, que fala sobre o assunto, fala sobre suas relações, que tem coleção de brinquedo erótico e coisa e tal: acabou de ser diagnosticada com endometriose. Cês tão entendendo que o buraco do autoconhecimento e da nossa própria educação sexual é bem mais fundo? Pois então, Anitta já tinha inclusive falado numa entrevista sobre as dores que sentia após o ato sexual, porque acreditava sofrer de uma cistite recorrente, que é uma infecção causada na uretra por uma bactéria. Aí descascaram nela diversas críticas, ela ficou com uma fama de que “transava demais” ou “exagerava no sexo”, de que era sem noção pra falar das coisas e de que não cuidava muito de sua higiene íntima (!!!). 

Procurem saber sobre endometriose, gente. Procurem saber o que é esse mal que atinge 176 milhões de pessoas com útero no mundo todo. Mas o que é endometriose? É um negócio que dá quando células do tecido que reveste o útero (endométrio), que deveriam ser expelidas durante a menstruação, se movimentam no sentido oposto e caem nos ovários ou na cavidade abdominal. Os sintomas? Cólica, dor pélvica crônica, dor durante o ato sexual no momento da penetração, alterações intestinais e urinárias durante a menstruação e infertilidade. Um monte de coisa que a gente tá acostumada a aguentar, né? Achando que é normal, que é a gente que tá aguentando pouco. Os principais métodos para detecção? Ultrassom pélvico e transvaginal e a ressonância magnética. Nesse país em que há violência obstétrica e misoginia por parte de médicos o tempo inteiro. Médicos que julgam pessoas com ISTs. Cês entendendo o que eu tô dizendo? Anatomia e informação também faz parte da educação sexual, sabe? Essa que a gente devia ter nas escolas, mas que o pessoal acha que é passar filme pornô nos colégio.

Eu tô sim batendo na tecla de que a endometriose é uma doença que acomete pessoas com útero e não só “mulheres” porque tá mais do que na hora da gente se ligar que gênero não está ligado a órgão sexual ou reprodutivo. Então temos sim uma porção de homens trans com útero que são excluídos dessa discussão e desse entendimento do útero, da vulva, do clitóris etc. 

A gente tá falando de um mundo em que a pobreza menstrual é uma realidade e deixa de garantir uma porrada de coisa pra um monte de gente. Mais uma discussão que deixa a desejar no que toca a população trans. Então eu vou usar essa terminologia pra gente entender melhor. 

Segundo a Unicef, no Brasil, 713 mil pessoas com útero vivem sem acesso a banheiro ou chuveiro em seu domicílio e mais de 4 milhões não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas. Além de privação de chuveiros em suas residências, 4 milhões de pessoas com útero sofrem com pelo menos uma privação de higiene nas escolas. Isso inclui falta de acesso a absorventes e instalações básicas nas escolas, como banheiros e sabonetes. Dessas, quase 200 mil estão privadas de condições mínimas para cuidar da sua menstruação na escola. Então como que pode chegar às pessoas o que é endometriose? Eu merma só sei porque já conheci gente que teve, porque nunca tinha lido em lugar nenhum sobre, nem tinha sido informada por nenhum ginecologista a respeito. Eu, inclusive, sofro com cólicas menstruais massivas há anos achando que era coisa normal do útero depois de tantos anos tomando pílula anticoncepcional. 

E aí o que eu queria dizer é que depois que Anitta falou sobre a questão, Patricia Poeta também falou, já cataram a Amy Schumer lá nos States e acharam uma fala antiga dela sobre, fizeram mil reportagens sobre o assunto, o termo “endometriose” e “Anitta” ficou entre os mais buscados no Google anteontem e eu recebi uma mensagem de uma pessoa próxima me pedindo pra eu ir ao médico ver se eu tinha endometriose porque estavam falando disso na Globo no sábado pela manhã. No domingo, de novo, outra mensagem: “Vê a Anitta falando de endometriose no fantástico!”.

Obrigada, Anitta. Obrigada a todo mundo que fala de questões íntimas e referentes a sexualidade e reprodução, e que acabam estimulando as pessoas e os meios de comunicação a tocar nesses assuntos. E estimula geral a se informar sobre as coisas, a conhecerem melhor seus corpos. Nós podemos e devemos nos conhecer!

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