WINDOWS 79

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Eu vou tentar explicar uma parada que tá nos livro, mas como se a
gente tivesse numa padaria rachando um pão com mortadela, 7
da manhã, maior sono, zero filtro, porque se eu tivesse com filtro
ligado, não escrevia esse post.

Uma amiga disse pra mim que “o homem é filho do seu tempo”, foi
um truta aí, ou Hegel ou Piaget, ou esses dois fila da puta que disse
que o homem é fruto do sócio-construtivismo, zeigheist, vai tomar
no teu rabo essa hora falando isso.

A verdade é que eu vou te dar o exemplo, menor:
a ética que eu carrego em mim é de 1979.

A versão do Windows que roda em mim é de 1979. Não atualizou,
porque minha máquina não fabrica mais. Eu sou de 74. Parou de
fabricar no mesmo ano.

Eu aprendi o que era o mundo muito antes de vocês serem essas
pessoas brilhantes e iluminadas, sem máculas, que vocês são nas redes
sociais, e creio eu, na vida.

Tem uns aqui que só falta asa e um machado de Xangô, de tão
perfeitos.
As fada sensata e os nunca errou.

Eu absorvi a cultura do meu tempo. Dentro da minha cabeça tem um
Bezerra da Silva, dentro de casa, falando todo tipo de merda que você
não aguenta ouvir. Aliás, o Babu deve ter uma versão parecida com a
minha. E muita amiga eu sei que tem, já com seus 40 e bláu, não vou
citar nomes.

Daí que na minha cabeça todas essas palavra que vocês encheram de
política e sentido e releitura, pra mim, é só palavra. Seja viado, sapatão,
criolo, piranha, galinha, tudo isso aí tá instalado na minha versão
original, forma como eu penso o mundo, é não acreditar em ninguém, é
xingar todo mundo, falar mal de todo mundo, só eu presto, e é isso
mermo. No ano 2000, eu já tava todo desatualizado, cagado, e com os
fio solto. Quem dirá agora, 20 anos depois.

Imagina.
Você morar dentro de uma cabeça que tem uns 30 Bezerra pistola, uns
80 miliciano, tu acha que Bolsonaro venceu porquê?
Porque ele é expert nesse software antigo.

Ele fez exatamente isso:
Acessou os código de programação da rapaziada desse tempo. Por isso
ele fala EXATAMENTE igual, xinga igual, só ele presta, bota um contra o
outro. Maior putaria.

É racista pra caralho, bate em mulher, defende quem bate, quem
estupra, dá tiro, xinga todo mundo.
Então,
essa versão roda dentro de mim.
Eu entendo exatamente o código dele.

Porque eu venho desse tempo, amores, ANTES de qualquer um de
vocês existir numa plataforma de conhecimento compartilhado (isso
aqui) e a gente poder acessar outros códigos, e falas e percepções da
vida.

Eu sou patife. Pra caralho.
Só penso merda, o dia inteiro.
O Mano Brown diz isso. “Sozinho, penso merda pra caralho”.
Djonga também.
“Eu sou aquele que dá o papo reto e vive torto.
Assim é fácil, né.”
Então, não quero mentir não.

Não fui criado pra aceitar mulher dizendo o que pensa. E nem vou em
passeata de feminista ou quem quer defender seu direito de dar o cu.
Eu sou aquilo que a amiga me disse.
Filho do meu tempo.
Mas, e aí?
Como fas?
Essa é a parada, xuxu.

Tooooooooooooooooooooooooooodo dia,
eu tenho que ligar o sistema,
e TRADUZIR meu desejo, pro mundo e pra realidade de agora, da qual
não sou filho.

A gente fala a mesma língua, por fora.

Por dentro, eu fico horas fazendo retalho, gambiarra e conserto nas
coisas da minha cabeça, pra soltar um a.
Quando te falei uma coisa,
mil coisas aconteceram dentro da minha cabeça.

Muitas vezes eu aponto o teu racismo,
eu passei horas olhando pra mim e dizendo:
caraca, maluco.
Tu é um Hitler todinho.
E ESSA É A DIFERENÇA entre eu e você.

Porque eu, pelo menos,
aceito que sou esse lixo.
Você ainda se ilude,
achando que por nunca ter se manifestado publicamente, ou na roda de
amigos, ou ninguém ainda pegou um vacilo seu,
tu é fada. Ou perfeito.

E você alimenta isso.
Tuas foto, tuas música, as coisas que tu gosta, as frase que tu escreve,
compartilha, os evento que vai,
é pra mostrar essa persona que não existe,
porque quanto tu deita a cabeça no travesseiro,
tu sabe que é totalmente diferente do que tá vendendo aqui nas redes,
pro mundo.

A diferença é que eu não presto,
e decidi aceitar isso.
Tu ainda se acha um anjo.

Só anda com as anja. Os PSOL. Os vegano. Os yogi.
É leve. Mais leve que Regina Duarte.
Ou mais brabo que Malcolm X.

No fundo, a gente continua precisando dos estereótipos exagerados de
heróis. Como na pornografia, em que o pau precisa ser enorme, e os
corpos perfeitos, nós vivemos aqui uma relação pornográfica entre nós
mesmos, querendo ser aceitos por virtudes exageradas, que não
possuímos.

Ando cansado de tanta gente que não erra.
Não é o meu erro que me cansa. Nem meu racismo, sexismo e fobias.
Mesmo meu auto ódio. O que me cansa é que só tem gente perfeita.
Ninguém bota a bola no chão e assume que também é um grande filho
da puta. “Ah mas eu não falo filha da puta, falo filho do puto, porque a
mulher…”
Cês são uns lixo.

Primeiro eu quis mudar o mundo.
Não deu.
Agora, tento lidar com esse programa instalado em mim.
Terapia. Livro. Minhas neurose.
Mas puro não sou não. Nunca fui.
E pior: CRENTE. Some a isso tudo, eu ter vindo de uma família de
crente, que chama exu de diabo, macumbeiro de endemoniado.

Filhota,
eu já me dou trabalho demais. Eu nem ligo pro que você me chama,
meu mais sincero fodace.

Eu quando consigo pensar um pouco melhor, já sinto que evoluí como
pessoa. Mas não tenho muitas expectativas não. O mundo continua
mudando. Esse bonde não vou pegar por muito tempo. Vai ter uma hora
que vou cristalizar. Parar. E o bonde vai seguir.

Então, olha pra você.

Para de olhar pro outro. Olha pra você, conheça o seu programa, o seu
software. E tenta resolver isso. O aprendizado ajuda. Mas consertar, não
conserta. Todo dia, tem que fazer as gambiarra na cabeça, tudo de
novo. Não pode falar mulata. No Brasil não pode. Em Angola essa treta
ainda não bateu. Não pode falar que a coisa aqui tá preta. Não pode,
porra. Mas eu aprendi que pode. Nem sabia que era com preto. Mas é.

Olha a merda. Montão de coisa a gente aprende, vai ver, é só merda em
cima de merda. Tu fala dos outro aí na rede, mas deve ser um safado,
ou safada, igual. Dentro da tua cabeça, quantos Bolsonaro existe?

Ninguém vai se desconstruir.
A gente vai ter que aprender a lidar com quem a gente é.
A gente vai morrer assim. Racista, sexista, preconceituoso, a porra toda.

Ninguém muda o programa que foi instalado. Não tem cura gay, nem
cura de você mesmo. Não tem cura de gay, porque gay não é
doença. Não tem cura de você, porque você também não é. A gente
precisa se aceitar com os erro que tem. Porque aceitar acerto é mole. A
gente precisa estar em paz com isso, e todo dia trabalhar as gambiarra
pra esse carro, cada vez mais velho, continuar andando, e passar na
vistoria do Detran, da ética dos tempos .

Desculpa aí, se te decepcionei.

Tentei fazer o que deu,
com o que me deram.

Escritor e ativista social, nascido em Madureira, Rio de Janeiro. Em 2016 lançou Rio em Shamas, indicado ao Jabuti de 2017, pela Editora Objetiva. Foi roteirista na Rede Globo e Multishow/A Fábrica, colunista da Folha de São Paulo e Metrópoles.

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