PRA VOCÊ VER COMO O MUNDO GIRA

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Pra você ver como o mundo gira.
Em 1997, eu namorei uma moça, muito gente boa, que morava num bairro nobre do Rio, na região de Niterói.
O mais fraco ali era médico, mas dono de clínica. Ele nem atendia paciente, vivia viajando pro exterior, fazendo reuniões com executivos de hospitais americanos, indústria de remédios.
A família dela tinha MUITA grana, muita moeda, muita plata. Bufunfa, bala na agulha, aqué, dólar, dinheiro, jóias, investimentos, ações, CBD, renda fixa, over night, imóveis. Um tio dela tinha vários barcos, iates, fazia negócios de off shore, usava camisa pólo de marca, tinha uma cobertura na Barra.
Os irmãos dela era tudo médico e herdeiro. Gente da bitola larga. Assavam peixe nos domingos, contratavam empregados pra assar, fazer churrasco. Cada filho tinha um carro, cada carro era uma marca importada. Um deles tinha um desses carro de luxo, não sei se era Mustang, Porsche, Ferrari, McLaren, era uma coisa assim, só Ronaldinho tinha. Bagulho impacto, bagulho pá, bagulho porra. Relógio Tag Hauer, Hublot, em cima dos móvel da casa, tudo de madeira, eletrodoméstico importado, casa de três andares, jardimzão, talher de prata, banheiro de mármore, assim, gente, ACABOU MEU REPERTÓRIO. Não sei mais o que dizer, de coisa de luxo.
Eu morava na Vila Aliança, em Bangu.
Beleza.
Tinha conhecido ela na faculdade, ela era da minha sala, quando eu vendia quentinha, camiseta, pra DEVER a faculdade, porque pagar mesmo, nunca paguei. Por isso que a faculdade faliu. Gama Filho era cheio de estudante duro.
Então. Ficamo, fomo ficando, ela vinha num frescão lá de Niterói pra Piedade. Pá. Aí me chamava pra ir na casa dela. Eu levava papo de TRÊS HORAS pra chegar lá.
Engraçado, que na época eu não me ligava nas coisas. Não me ligava que rolava um preconceito comigo.
O irmão dela sempre me perguntava: esse tênis é Nike? É original? Não, de camelô. Uruguaiana. Ah, nossa. Não conheço esse lugar não. Então é falso.
-É, é falso. Mas pô. funciona.
Ou ele vinha, com aquela camisa pólo branca e bermuda de SARJA:
-Você mora onde?
-Bangu.
-Ah, nossa. Não conheço esse lugar não.
Eu fui virando uma coisa meio exótica pra eles.
Porque uma vez eu fui com uma camiseta de vereador do PCdoB. Eu não tinha lá muita roupa. Tinha, naquela época, uma calça jeans e uma de tectéu. E meu boné, minha cara de fome. Na época eu pesava 69 kilos. Um pau.
Aí foram tirando sarro. Aí o sarro começou a ir pra mesa de almoço. Que eu não sabia usar faca e garfo de comer peixe. Que era pra por o garfo na mão esquerda. Se meu pai e minha mãe não iam lá visitar eles. Se a gente tinha carro. Que que meu pai fazia. Mas essa pergunta nem eu sabia responder, uma vez que ele tinha ido embora de casa. E quando eu disse que minha mãe trabalhava em casa de família e eu tinha conseguido emprego de porteiro, senti que a energia ficou pesada.
O pai dela começou a não gostar de mim lá. Os irmãos pararam de falar comigo.
Um dia, eu cheguei lá com ela, e veja, ela começou a perceber, e foi ficando meio puta com a família. Mas no fim, ela não abandonava eles, né. Eles iam pra Pipa, pra Disney juntos. Família dela, né. Errado era eu.
Mas um dia eu cheguei com ela, e deixei meus cadernos em cima da mesa da entrada. E tinha um papel impresso com um texto meu, que eu tinha escrito pra uma aula.
A mãe dela chegou, dona Laura Bittencourt, óbvio que o nome é fake, porque esse pessoal tem dinheiro, ou tinha, e a mãe olhou meu texto.
Veio até mim, rindo, com o papel na mão, rindo e disse:
-Tá fazendo curso de português, Anderson? Tá aprendendo a escrever?
NA HORA eu achei elogio.
Mas a moça que eu namorava levantou, discutiu com ela, porque ela SABIA as coisas que a família falava de mim. E me levou pra rua, e me deu o papo. Tipo: olha, geral aqui dentro debocha de você. E acha que você, por ser de morro, vai pegar alguma coisa aqui em casa, eu estou cansada. Não sei se é bom pra gente, você continuar vindo aqui. Vamo namorar mais na rua.
Ela foi maneira, sabe.
Mas ali eu vi, pela primeira vez NA VIDA, que eu não fazia parte desse mundo aí.
Caiu, ao vivão, durante aquele namoro, a venda dos olhos.
A gente terminou de boa.
Pouco tempo depois, eu tranquei a faculdade por falta de grana, e voltei a ser camelô.
Muitos anos depois, uma amiga me atualizou.
Disse que o pai dela tinha morrido, de câncer. Os filhos brigaram por herança, foi parar na justiça. A mãe se endividou com tanta viagem e roupa. O tio foi alvo de uma operação. Aos poucos, foram perdendo os carros, os relógios. A mãe arrumou num cara, o cadáver do ex-marido ainda quente, ela foi morar com um coroa, também rico. Largou os filhos, virou perua, de gritar pela janela com champanhe.
A casa ficou abandonada. Embargada na justiça. Abandonada. Até que interditaram. Demoliram. Anos depois, uma veterinária comprou o terreno e montaram uma clínica lá. Fechou também.
Cada filho foi pra um lado. Se odeiam.
O tal médico que falava do meu Nike, fechou as clínicas, hoje atende no centro de Niterói. Muitas dívidas na vida deles.
E eu, falo na humildade.
Pelo bom, pelo ruim, virei escritor, vivo da minha escrita, e moro em Paris. Não sou rico, mas é isso, vivo do meu trabalho, escrevo. O cara de quem a Laura riu, mora no lugar onde Laura se endivida pra visitar por 5 dias no ano.
Mas é isso.
A vida é isso.
Não deixei isso, nem o dinheiro, mexer com minha cabeça. Tem gente que, por ter dinheiro, fica assim. O dinheiro amplifica quem você é. Se você é babaca, vai ser mais babaca com dinheiro. Se você é uma pessoa generosa, será mais generosa com dinheiro.
Nunca se esqueça: o mundo dá volta.
Pra todo mundo.

somos a primeira voz
que você ouve pela manhã.
a última com você na cama.

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