Anderson autodeclarado negro?

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Uma grande e fundamental amiga me chamou ontem, me perguntando SE EU ME AUTODECLARAVA NEGRO

pra ela colocar na ficha técnica de um trabalho que fizemos juntos.

Eu lembro que, pra esse trabalho, fiz uma exigência que todo elenco fosse negro.
No fim, vieram me perguntar se eu era.

Eu disse:
-Amiga, português me ameaça de morte e me chama de macaco, e eu não fujo. Mas se tu vier com essa pantone de preto, eu faço minhas mala agoraaaaa.
Saio correndo com uma chinela na rua, dobrando a chinela, eu çocorr tô fugindo dessa porra de autodeclarar negro. NUNCA, em escrito nenhum meu, em 12 anos, você vai encontrar isso.

Não tem um “autodeclarado favela” não? Tô fora, amiga.

E não quero ninguém dos nossos (amigos), batendo em vocês por minha causa. Zericórdia.

Porque o melhor do Brasil é o fofoqueiro. Já não gostam de mim, quando eu tô certo, ainda mais se eu pegar um pedaço dessa fatia do hype. Já chamaram o Brown de branco, o Criolo de branco, Davis de branca, Malcolm X de branco. Tá maluca, eu sou um sueco.

Aí ela disse:
-Mas amigo, a Sueli Carneiro…
-Mélga, eu sei. Eu sei. Eu sei. Eu sei. Eu sei. Eu sei. Eu sei.

Mas eu já tenho problema demais. Eu quero dinheiro e anonimato. Quero seguir os passos de meu Deus, Anitta. Ter uma mansão com piscina em Los Angeles, e 40 advogados, pra processar todos os seres vivos com os quais tive o mínimo contato nos últimos 20 anos.

-Tá. Boto o quê, então?
-Bota branco. Branco não, CAUCASIANO. Loiro, olho verde, 5% de gordura, 27 centímetro de rola, 4 doutorados, e por favor, alguém pega meu passaporte alemão e manda pra cá, porque eu quero minha fatia de queijo prato de privilégio, POR FA.VOR.

-Amigo, mas você pensa como negro, fala como negro, faz projetos para o povo negro, defende a pauta
-Amiga, na minha visão, é na verdade de se espantar como uma pessoa no Brasil consegue pensar de outra forma que não seja negro. Me espanta é saber que tem quem pensa como branco. Eu não faço nada demais. Eu apenas reproduzo o que aprendi, de onde vim, e pelo que eu luto.

Rimos. Porque nos conhecemos há uns 20 anos. Lá de trás, quando tudo, absolutamente tudo no BBB, era mato. Era só um terreno baldio em Curicica.

Mas ó,
tô fora.

Tô aqui, fazendo o meu, com os meus (amigos), levantando grana pra uns, abrindo portas pra outros, metendo o pé da capa da Vogue, e das festas de prêmios. Não, amigo.
Me deixa em paz.

Bota aí, descendente de alemão.

Quem me chama de preto e macaco o faz porque no fundo não é doente com qualquer pessoa.

Quem me chama de branco e ex-morador do Leblon (já ouvi isso) deve ter suas razões. Inclusive, recebo essa profecia. E sem diabetes.

Eu sou essa merda parda aqui, é o que diz na certidão.
No mais, me esqueçam.
Foca no preço do ovo.

Escritor e ativista social, nascido em Madureira, Rio de Janeiro. Em 2016 lançou Rio em Shamas, indicado ao Jabuti de 2017, pela Editora Objetiva. Foi roteirista na Rede Globo e Multishow/A Fábrica, colunista da Folha de São Paulo e Metrópoles.

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