A raiva e os propósitos

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Vou pedir licença a todos os leitores, pra dizer duas coisas aqui, queria pedir desculpas a todos que administram a página, o site, a Coluna de Terça.

Hoje, esse perfil, antes meu, pertence ao veículo que criei depois que saí da Folha de São Paulo, e que milhares de vocês apoiam. Entramos na justiça para que o Facebook pare de nos impedir de mudar o nome da página de Anderson França, para Coluna de Terça, veículo jornalistico e independente com famílias, trabalhadores que recebem salários.

Então, peço desculpas por fazer esse parênteses e me comunicar com você, como nos velhos tempos, postando aqui.

É o seguinte.

Eu, Anderson, como muitos sabem, sou movido pela raiva. Nunca escondi. Nunca me orgulhei disso. É apenas um fato. Venho da periferia, do chão, das experiências no morro. Cheguei longe demais, quando consegui entender a favela e as questões de raça no Brasil, o reflexo da escravidão e a desigualdade racial.

Tudo isso me deu uma coisa: raiva.

Encontrei em outras lideranças o acolhimento para minha raiva. A fome, a desigualdade, o encarceramento, a pobreza, tudo isso no Brasil nasce do modelo escravocrata no qual este país foi fundado. Com uma polícia que protege o branco. Eu tenho muita raiva, diária, de praticamente tudo que compõe a estrutura social, política e econômica do Brasil.

A minha raiva se estendeu até a igreja. Eu venho da igreja. Batista, filho e neto de batistas. Não dessa bagunça de batistas de hoje, como o Diante do Trono, ou a Batista Atitude, que apoiam Bolsonaro, usam maquininha de cartão no culto. Minha vó foi missionária, nordestina, mulher decente, morreu pobre, e me ensinou a ler. Não era essa putaria.

A igreja e o Brasil são institutos do racismo.Não há outra forma de me relacionar com eles, a não ser pela dimensão da raiva. Isso se estende a Portugal, para onde fui obrigado a vir. E por sua vez, para a Europa. O mundo deve, e muito, ao povo negro.Eu não negocio minha raiva, mas eu aprendi a usá-la para dobrar o sistema. Tudo que eu faço, porém, nasce na minha raiva.

Na Coluna, esse mês, temos três propósitos.

O primeiro: Pagar os salários das Black Panthers. Contratamos 3 estagiárias, minas negras, de periferia. Temos no nosso time 3 pessoas, negras, que estão fazendo jornalismo. Tem travesti, tem mina de morro.

Nenhuma redação de veículo grande no Brasil, NENHUMA, abre pra elas. Abre pra tipos como a querida de vocês, a tal Prioli. Mina simétrica, padrão, dos olhos claros, grandes, de um Brasil que vocês GOSTARIAM DE SER, mas que não são. Ela, que pede demissão da firma, e ganha promoção. Enquanto a filha da faxineira é travesti, está nas ruas, trabalhando com o corpo, pra conseguir pagar a faculdade de jornalismo.

Me lixo pra você que acha que eu não deveria ter citado Prioli, mas que deveria “aproveitar a oportunidade pra trazê-la como aliada”. De cu é rola.

Ela é tão somente a reprodução de um padrão que privilegia a pele do poder. Lembre: eu sou movido por raiva. Você sempre enxerga uma pessoa, eu enxergo a História. Tínhamos pessoas que, na gringa, iam ajudar com os salários das estagiárias, que chamamos de Black Panthers. Pessoas que há semanas não nos respondem. Mas não vamos parar o programa. Vamos continuar. Segundo: Vamos apoiar um projeto na favela de Brasilândia, da Vovó Tutu. Ela faz pão, para DAR para moradores do morro. Ontem, conversei com ela e Vânia, sua filha. O trabalho de Tutu é o que o nosso povo faz, quando vocês não fazem nada. Nós somos ricos, porque somos ousados. Porque multiplicamos o pão.

Este mês, vamos fazer uma campanha, todos os dias, com todos os colunistas, para que as pessoas colaborem com o Fluxo de Justiça, projeto de apoio e fomento a projetos, e o recurso seja direcionado pra Tutu. O projeto existe há alguns meses, doa pra instituições ou pessoas, algumas que pedem um gás de cozinha, uma cama. Nós precisamos ter o nosso projeto, para ajudar pessoas, pra que a gente nunca esqueça de onde viemos, e porquê estamos aqui. E por fim: o meu afastamento da Coluna, no sentido de dar espaço para todas as outras vozes escreverem, e eu me preservar com a minha raiva nos meus perfis pessoais, também é a criação de um espaço onde marcas e empresas possam anunciar, criar contratos, e manter nosso trabalho.

As pessoas nos apoiam. Mas nós precisamos expandir. E isso tem que sair da conta das empresas. Lideradas por brancos, com brancos nas gerências. Vocês, de empresas VÃO nos apoiar. Isso parece um pedido. Mas não é. Isso vai acontecer, por todos os meios necessários. E pra mim, que de camelô, vim parar aqui, cheguei longe demais pra desistir. Agora, é só pra cima. Passei noites sozinho, chorando sozinho, e com ódio sozinho, de como projetos inúteis neste país enchem o cu de dinheiro e projetos fodas como o nosso estão com impostos atrasados.

Porque tem isso. Nós, DIFERENTES DAS IGREJAS, pagamos impostos, temos contador, prestamos contas.

Fiquei sem dormir uns dias. Mas a raiva em mim me empurra pra frente.

Aos que já nos apoiam todo mês, eu não faço nenhum pedido.

Aos que não apoiam, para direcionar para Vovó Tutu durante todo o mês, que além de dinheiro, vai criar um projeto de negócio pra ela se manter e não precisar mais de doações, apoie pelo PIX do fluxo de justiça: fluxodejustica@gmail.com

Para nos apoiar, e pagarmos as Black, e nossos impostos, e não ficarmos parados este mês: colunadeterca@gmail.com

Não importa o quanto você pode contribuir. Seja 50 centavos, seja 1 real, a multidão tem poder. Temos, só aqui, 146 mil seguidores. Se cada um visse esse post e fizesse um post de 1 real, resolveríamos os problemas de um ano.

Para falar conosco, porque você é marca e quer anunciar e saber quantas pessoas alcançamos, nas redes e no site, promover programas, lives, matérias, publi, fale conosco por este e-mail: colunadeterca@gmail.com

Temos pautas para juventudes, de cultura, sexualidade, gênero, raça, periferias, política, religiões brasileiras, cinema e muito mais.Não estamos aqui, pra desistir. E não vamos. Obrigado aos que me deram este espaço.

Paz, Justiça e Liberdade.

Escritor e ativista social, nascido em Madureira, Rio de Janeiro. Em 2016 lançou Rio em Shamas, indicado ao Jabuti de 2017, pela Editora Objetiva. Foi roteirista na Rede Globo e Multishow/A Fábrica, colunista da Folha de São Paulo e Metrópoles.

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