Caras de 50 anos não sonham

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É.
Cês já ouviram essa história. Mas vamo contar por outro ângulo.

Em 2024, faço 50 anos. Pesa.

Sobretudo quando você ainda pensa o mundo com tanta energia, utopias, desejos de ver o mundo mudar, como é comum na juventude. Pelo menos na minha, era.

Envelhecer é aprender a dar nome às coisas.

Eu tenho vontade que todos os puretas levem el leche malo en la cara, e o leite bom en mi garganta.
Mas hoje, chamo isso de “utopias de justiça”. Envelhecer é aprender a dar nome.

Tava vendo um filme com Adam Sandler e Queen Latifah, e tem uma hora que ela pergunta:
-Vai desistir dos seus sonhos?

e ele mete essa:
-Caras de 50 anos não tem sonhos. Tem pesadelos e eczema.

Dats de poimte.

Eu não sou feliz. Não tenho sonhos, não sei se algum dia tive. Não, não tive. Era sustentar a mim mesmo, depois uma casa. Há alguns anos, carrego todas as despesas de tudo. Pra mim, uma vitória. Não fui igual meu pai, que fugiu, que vivia sendo despejado, e deixou faltar comida. Eu não, eu chego junto.

Pago aluguel, luz, net, salário dos outros, dôo grana, compro meus remédios, até qualquer pano de trapo de bunda que eu quiser, é tudo no meu braço.

Mas isso me faz orgulhoso. Não feliz.

E se me perguntar qual meu sonho, você vai ouvir que não é escrever livro. Peça, filme. Eu não sou feliz escrevendo. Eu faço todas essas merdas pra pagar contas. Mas não tem um dia em que eu não queira ir pra dentro do mato, viver de goiaba.

Ocorre que não posso.
Preciso estar perto de um hospital. Se não quero ficar cego, amputado, preciso estar perto de hospitais, recursos, remédios, cuidar da minha saúde, corpo, comida. Hein. Não tenho essa liberdade que você pensa. Não moro sozinho. Não sou uma pomba rola, vai, pomba rola.

Pare.
Isso jovem faz. Porque jovem só tem ele, e só pensa nele. Digo, os jove branco que tu conhece. Porque geração Z é branca. A preta, continua sendo a geração F. F, de fudida. E pobre não é ensinado a abstrair. Desde cedo, filho de pobre ganha um carrinho de cimento de plástico, uma vassoura de plástico, um ônibus, umas coisas de profissões muito objetivas. Um uniforme de porteiro. Esse negócio de ser artista, escritor, ser cantora, ser artista, isso tudo é muito bom, pra quem pode.

Eu não sonho. Eu agarro as coisas que chegam aqui na minha mão e faço. Sempre preciso pagar luz, pagar aluguel. No Rio, e na Europa, é igual. Não paga, te botam pra fora.

Sozinho pelo mundo, na real. Tenho minha companheira, os cachorros, mas isso não traz felicidade. A felicidade não está no trabalho, nem no outro. Ela não está em lugar nenhum.

As coisas são como são. Boas, e ruins ao mesmo tempo.
Escrevo pra viver, e tenho a geladeira com comida. Tá bom. Já passei fome. Não reclamo.

Mas é isso.

Caras de 50 anos não tem sonhos. Vivem pra sustentar o sistema em volta de si. E com medo de não conseguir mais manter. E o corpo sofre. Ansiedade, obesidade, ideação suicida, a vida mais exposta que feed de Jade Picon. Eu sinto que eu esmolo dinheiro, que vocês jogam 50 centavos de PIX pra mim, depois que eu quase me humilho, todo mês, pra pedir. Isso tudo adoece. Mas sonho, não tem.

Sem sonhos. Só pesadelos, e eczemas.

Não chore por mim, Argentina. Chore por você, homem ou mulher que tá nessa mesma merda. Ou chore pela tua esposa, que vive pra carregar a estrutura nas costas num trabalho que aos poucos fode a alma e a saúde dela. Ou pelo teu marido, que podia estar gastando dinheiro com putas sortidas, mas tá deixando a casa um brinco, e todas as contas pagas. Quer dizer. Poder, não podia, né. Mas tem ao menos uns que não perdem a dignidade.

Porque tudo tem um preço.
Alguém sempre morre antes, pra que alguém morra depois.
Porque no fundo, a balança é sempre injusta.

A vida é essa putaria aí.
Mas você, Dinho, continua nessa vida, mesmo estando infeliz?

Continuo. Amarradão.

Pô, eu gosto é de boleto pago e ainda ter um dinheiro no banco. Olhar o saldo e dormir. Nudes de adulto é limite do especial não utilizado. Fodace. Você tem sonho, respeita quem não tem. Deixei de ser homem, passei a ser dono. Dono de coisas, chefe de pessoas. Desumanizei. Triste, uma merda. Mas ó, se eu quiser, peço uma pizza de dois sabores, do bonzão, nem coça o débito.

Eu seria feliz, talvez, fazendo comida. Apenas 3 sanduíches, no interior de algum lugar do mundo. Um café, pequeno. Só eu e o balcão. Acordando de madrugada pra fazer um exercício, fazer o pão, tudo no silêncio. Longe. De tudo e de todos. Ninguém saber meu nome, meu passado, nada.

Sonho bosta, pra quem tá cada vez mais visível como um dos maiores escritores brasileiros – DIZEM. E não é pouca merda que diz isso não, o XICO SÁ diz. Peraí, bicho. Xico Sá. O homem.

Eu reconheço. Agradeço, abaixo a cabeça pra essa diretoria, muito respeito real, mesmo. Sei de muita gente que sonha chegar onde eu cheguei. Mas ELA sonha, eu nunca nem planejei. Só fiz. Deu dinheiro, continuei fazendo. Tenho família pra sustentar.

Mas eu, amigo, por mim, tava com meu café, lá em na casa do caralho, vendendo sanduíche de meia baguete de presunto, mortadela e queijo assado.|

Aberto, até o último cliente.

Escritor e ativista social, nascido em Madureira, Rio de Janeiro. Em 2016 lançou Rio em Shamas, indicado ao Jabuti de 2017, pela Editora Objetiva. Foi roteirista na Rede Globo e Multishow/A Fábrica, colunista da Folha de São Paulo e Metrópoles.

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