É TRETA! É TRETA!

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Na Alemanha, o Bundestag (Parlamento Alemão) teve nesta quinta-feira, 16, uma discussão para lá de acalorada entre seus membros. O motivo? A localização dos partidos no mapa de assentos do Parlamento.

A arrumação dos partidos no Parlamento, do jeito que é hoje, tem, segundo a rede alemã ZDF heute, 70 anos. Nela, os membros do Die Linke (Partido de Esquerda Alemão) se sentam à esquerda (ora ora, temos um Xerolque Romes aqui), seguidos pelos deputados do SPD (Partido Social-Democrático da Alemanha) e do Büdnis 90/Die Grünen (Partido Verde). Bem ao centro (aqui não confundir com Centrão, embora haja semelhanças), sentam-se CDU/CSU ou Union (União entre o os partidos Democrata-Cristão, partido de Merkel, e Social-Cristão), seguidos pelo FDP (segura a 5ªB que há em você, porque trata-se do Partido Democrático Liberal). Bem à direita está o AfD (Alternativa para Alemanha), ou o PSL deles.

(mapa: tagesschau no Instagram)

Aí que começa a merda.

O pessoal do FDP nunca encontrou escopo para reclamar desse posicionamento dos partidos porque, veja bem, até bem pouco tempo atrás ainda se tratava de projetos distintos para a Alemanha, mas balizados pela democracia e pelo livre debate.

Ocorre que em 2013 foi instaurado um novo momento na política alemã com a criação da sigla AfD, seguindo a tendência mundial de ascensão de partidos extremistas, com suas falas problemáticas e repletas de preconceito e discriminação. Desde o início, o AfD se autoproclama uma alternativa de EXTREMA direita mesmo, com tudo o que tem de melhor: parente de nazista, falas nazistas, estética nazista, ideais nazistas também, como a anti-imigração, nacionalismo alemão e, claro, conservadorismo social e religioso. Veio um nome na tua cabeça, né?

Engraçado que as datas coincidem com a merda que aconteceu no Brasil também. Acho que não há quem não queira voltar no passado pra falar pro seu “eu” daquele tempo: “deixa os 20 centavos pra lá. Vai dar mó merda! Tu num vai nem conseguir fazer churrasco sem deixar um rim no supermercado e ainda vão te perguntar em várias línguas diferentes como tu deixou um ignóbil deplorável miliciano assumir a presidência. Vai por mim, pega essa visão, varão!”

Na Alemanha, não havia até agora motivo para uma discussão como essa. Foram 16 anos de CDU/CSU no poder com Merkel, e para os deputados do FDP restava aceitar tudo por não serem maioria. E olha que em 2017 eles já tinham iniciado essa discussão com a fração do CDU/CSU, a qual foi terminantemente rechaçada na ocasião. ENTRETANTO, hoje eles fazem parte do governo de Olaf Scholz, o novo Chanceler Alemão recém-empossado, junto dos Grünen. Assim sendo, o FDP se sentiu no direito de falar em alto e bom som:

“Não queremos mais estar sentados ao lado do AfD. Vamos mudar isso aí.”

Você entende o quão emblemático para o cenário político mundial é essa fala? Trata-se de uma mensagem muito clara: não queremos estar nem GEOGRAFICAMENTE posicionados perto de extremistas, como vemos nas palavras de Jan Korte, Membro do Bundestag pelo Die Linke: “(…) E posso afirmar aqui, pelo menos sobre os parlamentares democráticos: qualquer parlamentar normal não gostaria de sentar-se ao lado deles.” Com todas as divergências políticas que há, portanto, é um sinal claro de que a democracia deve SEMPRE prevalecer.

Entretanto, foi uma discussão acalorada, você se recorda? Sim, isso aconteceu porque a União (CDU/CSU) respondeu INDIGNADA (leia na voz de Gil do Vigor) ao pedido de reposicionamento da sua fração de deputados no Bundestag, porque seriam eles, agora, que estariam ao lado do AfD. Alegaram uma “transparente motivação política por trás do requerimento”, dando a entender que o fazem por serem parte do governo atual.

“O muro de proteção antifascista. *
(Porque ninguém quer se sentar perto do AfD no Parlamento Alemão.)”

Em resposta, Johannes Vogel, Membro do Bundestag pelo FDP, foi taxativo: “Não há nenhum argumento historicamente conclusivo contra a disposição dos assentos que queremos adotar hoje. Também não há um argumento factualmente conclusivo, caros colegas da União. Simplesmente foi assim da última vez. Tornou-se simplesmente uma questão de hábito. Eu entendo que, de uma perspectiva conservadora, não se queira mudar algo ao qual se está acostumado. Mas nós, sinceramente, discordamos. Somos de opinião que você deve mudar algo se houver uma razão sensata que justifique a mudança, e é por isso que estamos solicitando isso hoje.”

Em meio à tanta discussão, o mais melancólico foi justamente ver o próprio AfD pedindo a palavra. O membro escolhido para falar, Stephan Brandner, até tentou, mas só deixou o partido em uma situação de total vergonha alheia: “Normalmente, debatemos por trinta minutos sobre os destacamentos das nossas Forças Armadas, por se tratar de uma questão de vida ou morte para nossos soldados. E o que estamos fazendo agora? Debatemos durante trinta minutos porque vocês não querem sentar-se um ao lado do outro? (…) Olha, quão doentio é isso? Esta Casa debate questões importantes, não este tipo de show de marionetes sobre quem se senta ao lado de quem. E vou dizer com antecedência: não nos importamos com quem se senta ao nosso lado. Vamos nos sentar em todos os lugares de qualquer maneira.”

Tosco. Mas fica a mensagem. O mundo não se mostra conivente com quem deseja deliberadamente atacar as instituições democráticas com política de morte e de supremacia, com motes nazifascistas. Ao ponto de não querer nem ao menos estar perto deles na foto. Talvez tenha sido por isso que tantos chefes de estado tenham ignorado tão solenemente o cada vez isolado e ridicularizado mandatário brasileiro.

Um novo tempo se aproxima. A democracia há respirar em paz novamente em solo tupiniquim. E a foto dos que a sufocam será relegada ao mar do esquecimento.

Fontes:

https://www.instagram.com/p/CXjvprirj1r/ (ZDF heute no Instagram)

https://www.instagram.com/p/CXjLWczICuq/ (tagesschau no Instagram)

https://www.facebook.com/extra3/photos/a.126985678917/10158934128873918/ (Extra3 no Facebook)

É Preto, professor de alemão na Educação Infantil, formado em Letras pela UFRJ, pós-graduado pela UERJ, escritor do cotidiano de educador, baterista, viajante, poliglota, amante de esporte. E está Sobrevivendo no Inferno.

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