É vida que segue

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Houve um tempo em que eu trabalhei vendendo camiseta no Centro do Rio, na Avenida Rio Branco, e antes de espalhar as mercadorias no chão, ali mesmo na calçada em frente ao Edifício Central, eu tomava café num butequinho que tinha dentro do prédio, no térreo, onde os trabalhadores comiam pão na chapa, pão com ovo, café com leite e o que mais o dinheiro desse.

Era feito ali o Café Capital, de máquina de alumínio, grande, parecia uma caixa d’água. Os balconistas, me contavam histórias do Rio, muito antes de eu pensar em ser cronista.

Um vinha da Penha, outro de Caxias. Se debochavam, o dia inteiro. Era o melhor standup do mundo. Balcão cheio, todo mundo com fichinha, vinham eles esperando a gente botar açúcar na xícara, pra eles descerem a lenha no café. E tome deboche.

O combustível era o Bom Dia Brasil.

A gente via os destaques e o primeiro, se muito, o segundo bloco, porque tinha que correr pra rua e trabalhar.

Tinha vez que eu pegava o final do jornal, só pra ouvir uma mensagem, na sexta feira, de um camarada que parece que sabia o que eu tava passando.

A Light só cortava minha luz na sexta feira, pra eu passar o fim de semana sem luz em casa. Eu já sabia que ia ficar duro, mas continuava na vida camelô.

No fim do jornal, ele vinha.

Graças à Deus, hoje é sexta feira.

Coragem.

É vida que segue.

Por ANOS, Chico Pinheiro segurou a minha coragem no último fio de cabelo que eu tinha. Se ele chegou ali, eu ia chegar a algum lugar também.

Chico, que é profundo pesquisador da música brasileira. Que recebeu prêmios por suas reportagens e coberturas. Que carrega a medalha de ter saído da Record, por não aceitar o chute que os pastores da Universal deram na imagem de Nossa Senhora.

Chico, hoje, sai da TV Globo, depois de 32 anos.

A bancada do Bom Dia sempre foi importante pra mim. Amo Ana Paula, quem já tive a honra de entrevistar. Quem se diz intelectual brasileiro, e não vê novela e jornal da Globo, tá por fora de Brasil. Há um Brasil sob os olhos dela, de Diego Haidar, de Naspolini, Gross, Edmilson, a rapaziada do jornal diário, da pauta batida ali, na caneta bic, do jornal que olha no olho do trabalhador.

Obrigado, Chico. Por tudo.

Aqui, a vida seguiu. E eu tive, e vou continuar tendo, coragem.

Viva Chico Pinheiro. Viva o jornalismo brasileiro.

Aos nossos colegas do morro, do asfalto, da web.

No Brasil de 2022, mais que nunca:

Coragem.

Escritor e ativista social, nascido em Madureira, Rio de Janeiro. Em 2016 lançou Rio em Shamas, indicado ao Jabuti de 2017, pela Editora Objetiva. Foi roteirista na Rede Globo e Multishow/A Fábrica, colunista da Folha de São Paulo e Metrópoles.

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