Exílio

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Esse na foto sou eu, pelo olhar da minha esposa.

Esse é o aeroporto Charles DeGaulle, na Grande Paris, no dia 6 de dezembro de 2018.

Eram 5 da manhã, quando pousei na França, vindo de Guarulhos.


Saí do Brasil no dia 5 de dezembro. Com a ajuda de amigos, de Marina Silva, vendemos e demos tudo que tínhamos, e soubemos que nosso destino seria Portugal.

Pros que pouco sabem dessa história, desde 2012 sofri ameaças, depois de denunciar publicamente os assassinos do pedreiro Amarildo, na UPP da Rocinha. O então major Edson e o cabo Vidal, mais 23 policiais militares.

Casa invadida em 2015. Uma onda de ataques de PMs. Em 2017, ofereciam 40 mil reais para me matar na Flip em Paraty. O mesmo grupo de extrema direita que mobiliza massacres em escolas, que ameaçou Lola Aronovich, Jean Wyllys, a base do Gabinete do Ódio de Alan dos Santos e Carlos Bolsonaro, investigados no Inquérito das Milícias Digitais de Alexandre de Morais.

Descobriram minha casa, meus dados. Enviaram um saco preto, dizendo que ali estava a cabeça da minha mãe. Se institucionalizaram e viraram bolsonaristas. Hoje, no meu inbox, se eu te mostrar, tem gente dizendo que se eu voltar vai fazer caldo de mim com uma arma.

Trabalhei com Marina em 2018.
Perdemos.

O Brasil perdeu.

Lembro que sentamos, eu e minha esposa, no chão da casa, e decidimos que era bom mesmo seguir o conselho que já nos davam, de sair. 

Tivemos medo, pois não tínhamos dinheiro nem contatos. Nada. 

Fui falar com Marina, e ela nos conseguiu uma conversa informal no consulado. Lá, tivemos informações. Falei com Ed René, pastor na IBAB. Não esqueço da cara de descrença dele quando disse que tava ruim pra mim  e eu ia embora.

Ele disse:
“Você não tá exagerando?”

Não.

Não estava. 


Ali, no aeroporto, pensei no que seria da vida. Não usava celular há quase um mês, não podia ter risco de ser localizado. Não vi amigos antes de partir. Não saía na rua. Não poderia ficar no dia 1 de janeiro.

De Paris, fui pra Lisboa, nesse mesmo dia.
E em Portugal, encontrei ódio, xenofobia e uma extrema direita que me expulsou de lá.

Hoje, tenho asilo político na França. Volto ao começo. É meu primeiro 6 de dezembro aqui, desde 2018. Bolsonaro caiu. Lula voltou. As ameaças seguem.

Mas esse dia, é meu segundo nascimento.
Sinto saudade de todos.

Mas sigo lutando, como consigo. Todos os dias.

Escritor e ativista social, nascido em Madureira, Rio de Janeiro. Em 2016 lançou Rio em Shamas, indicado ao Jabuti de 2017, pela Editora Objetiva. Foi roteirista na Rede Globo e Multishow/A Fábrica, colunista da Folha de São Paulo e Metrópoles.

somos a primeira voz
que você ouve pela manhã.
a última com você na cama.

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