Paris, sem instagram

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Ontem pela manhã, saí por Paris pra visitar acampamentos de refugiados e irmãos em situação de rua.
Estava um pouco quente, comprei umas garrafas de água gelada no mercado, no Carrefour, e fui andando até um lugar que tem uma estação de trem chamada
Gare de Lyon.
Puta lugar bonito. Umas bandeira da França, uns prédio bonito, rapaz. Hein. Lindo mesmo.
Muito turista.
Muito morador também, muito combo casal hétero-cis com criança no carrinho, fingindo felicidade quando, na verdade, se pudessem, fugiam daquele relacionamento. Mas deixa Nelson Rodrigues quieto.
Muita gente “curtindo a vida” e postando milhares de fotos pra provar isso, no Instagram ou video no TikTok.
NO MESMO LUGAR, onde jovens branquíssimos e vestidos como farialimers jogavam BOTCHA com bolas prateadas, NO MESMO LUGAR, um acampamento com mais de TREZENTAS BARRACAS DE CAMPING, e em cada uma delas, uma ou duas pessoas, negras, árabes, refugiadas.
Morando nas ruas. Nas ruas de Paris.
Suando. Olhando o movimento das pessoas. As pessoas, muito ocupadas com seu entretenimento. Uma bolha de privilégio que conquistaram fazendo tudo certinho: escolha particular, estágio na firma do papai, casamento abençoado por mamãe e dinda, FGV, IBMEC, PUC, aí “ganharam uma bolsa” pra estudar na Science Po, uma das universidades queridinhas dos jovens inovadores, de dentição sem cáries.
Aí se tornaram machinhos e fêminhas ajeitadinhos, certinhos, roupinha passada, a pele branquinha parece um cream cheese.
Vivendo suas vidas, com o filhinho branco, no colo. Muita aguinha Perrier na boquinha do herdeiro.
Eu sei que você pensa em Paris, pensa em glamour, champanhe, Ciro Gomes.
Mas o cheiro de mijo ao lado de cada barraca, e o olhar inerte de cada pessoa refugiada, me faz pensar que os ucranianos estão sendo recebidos de braços abertos. Os olhos azuis comovem qualquer tribunal de asilo.
Sentei com dois moradores das ruas. Conversei pouco. Eles, não falavam francês, nem inglês. Eu, nem inglês, nem francês, nem português. Só brasileiro. Mas tinha água, e o amor que Padre Julio trouxe do céu pra todos.
Ficamos ali. Bebendo água. Dei um abraço neles e fui.
No caminho, num bairro chamado República – Republiqué – encontrei 3 travestis. Estavam numa esquina, sorriram pra mim, e deram “buenos dias”. Eu respondi. Fiquei ali, com elas, perguntei de onde eram. Se moravam muito tempo em Paris. Elas, com igual curiosidade, me perguntaram tudo. De onde eu vinha. O que fazia ali.
Já estão com alguma idade. Fazem programa para comprar o básico e seguir vivendo. Peguei o Whatsapp de uma delas, e domingo que vem, se tudo der certo, vamos comer um frango assado. Aqui em Paris tem máquinas de frango, televisão de cachorro, igual no Brasil.
Vim pra casa, olhando pra baixo. Uma cidade grande, com problemas de uma cidade grande. Luxo e miséria, na mesma calçada.
E essa foi minha manhã de domingo. Minha pastoral de rua. Andar com pessoas, ouvir. No outro, tentar me encontrar, e amenizar a minha solidão.

Escritor e ativista social, nascido em Madureira, Rio de Janeiro. Em 2016 lançou Rio em Shamas, indicado ao Jabuti de 2017, pela Editora Objetiva. Foi roteirista na Rede Globo e Multishow/A Fábrica, colunista da Folha de São Paulo e Metrópoles.

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que você ouve pela manhã.
a última com você na cama.

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