Hoje, que será ontem.
Leitura: 2 minA música que você ouve hoje no trem, ela vai ser uma lembrança amanhã.
Essa música que você tá ouvindo sozinha, sozinho. Seja tomando um café, seja indo pro trabalho. Estendendo roupa na corda.
Eu lembrei agora de uma música, “Sete Capelas”, de Marcos Amorim.
Não sei explicar música, sabe.
Mas essa eu ouvi na manhã em que peguei minhas coisas e fui pra favela de Vila Aliança, morar lá. Era uma manhã nublada, e tava ventando, logo às 8 da manhã. No Rio, vento de manhã é sinal de chuva.
Eu caminhei até a estação de Piedade, ainda se chamava Piedade – Gama Filho, em referência a universidade Gama Filho, que hoje está fechada, abandonada.
Sentei no banco de madeira, tradicional e antigo da estação. Já faz tempo isso, cara, eu nem sei mais se é o mesmo banco. A estação não tinha sido reformada, então era menor, antiga. Hoje é grande. Bonita.
Eu esperei o trem ali. Santa Cruz.
O Rio em Shamas, livro que escrevi pela Objetiva em 2016, era pra se chamar O Último Santa Cruz.
Veio o trem, pesado, sem ar-condicionado, aquele bicho de metal da década de 1970. Eu, com uma mochila, fui.
Sairia anos depois, trabalhando na Maré e Manguinhos, um outro sujeito.
Nesse dia eu ouvia nos fones essa música. Sete Capelas.
Ela me acalmou.
Era como pegar um trem e ir pra longe. Pra Minas. Pro meio das montanha tudo. Ver umas pessoa andando devagar.
Desprender de tudo que ficou pra trás. Recomeçar, no tempo do tempo. A gente tá sempre se mudando. Indo, pelo mundo.
Muitos anos depois, lembrei dessa música e tô ouvindo.
A música carrega muita coisa nela, quando você divide o peso com o som que ouve.
Que música faz isso contigo? Não sei.
Mas é sempre bom ter uma. Pra lembrar de hoje. De ontem.
Do hoje, que será ontem.