Nós avisamos

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Desde 2011 venho alertando sobre o crescimento dos evangélicos na política. Alguém ouviu?

Mas as pessoas me perguntam quando foi que pela primeira vez falei sobre a tensão evangélicos-política.

A primeira vez que li e ouvi sobre isso foi em 1993. Rev. Caio Fabio, em “Elias Está Nas Ruas”, um livro pequeno, uma análise sobre duas coisas: a prática cristã no campo externo à igreja, no mundão, entre os pobres, operários e oprimidos; e a relação da igreja e a visão a partir dela, sobre a disputa política brasileira, entre esquerda e direita.

Leonardo Boff em “O Caminhar da Igreja com os Oprimidos”, me ajudou muito. Mas não precisava ir muito longe. Basta ler o Evangelho de Mateus, capítulo 5, quando Jesus diz, no alto de um monte lotado de pessoas pobres, abandonadas e excluídas:

“Bem aventurados os que tem fome e sede de justiça, porque estes serão fartos.”

Ou seja, é um sentimento autêntico de um seguidor do movimento de Jesus o desejo por justiça, leia-se aqui, de forma objetiva, pois estamos no mundo real, e não espiritual: justiça social.

Em 2011, gravei um vídeo curto falando sobre Malafaia. Ele está no campo de visão de muitos evangélicos desde a década de 1990. E não de pessoas que acreditam nele, mas de pessoas que criticam sua fome e sede de justiça PESSOAL, de dinheiro e poder.

Costumo dizer que vocês conhecem Malafaia há 5 anos, nós lidamos com ele há 30. E não apenas ele. Macedo, R.R. Soares e outros menores estelionatários.

Em 2015 e 2016, eu falei muito. Eram anos de disputa, golpe e eleições municipais. Avisei, muitas vezes, que Crivella viria com discurso conciliador e fácil para o eleitor de favela entender, e Freixo viria com o peso dos academicismos, e seus seguidores, ainda mais. Disse que, inclusive, ele faria um bom governo. Porque o interesse da IURD é sim chegar ao Planalto, e Crivella para a IURD é a chance de impor sua agenda, se dizendo perfeita na gestão pública. Estratégias. Pedi pra Freixo e a esquerda ouvirem os crentes. Respeitarem. Não o Henrique apenas, que é um intelectual, mas os crentes da Baixada, do Morro.

Quando Crivella venceu, intelectuais do PSOL postaram textos chamando os evangélicos de burros e ignorantes. E claro, me lincharam.

A última vez que falei sobre isso num veículo grande foi em 2017. Numa entrevista da Trip, em São Paulo. Deu entrevista e vídeo. Disse, com todas as letras, e você pode conferir isso no Youtube da Trip, que “se a gente não se organizar, ano que vem, homens brancos, pastores e militares vão tomar o poder.”

Disse isso, na condição de evangélico que veio de região popular, ciente que discurso tecido na UFRJ não vinga em Ramos. A última eleição pra prefeito, essa mesma de 2016, em que fui altamente atacado e difamado por psolistas do Rio, que continuam a fazê-lo até hoje, responsabilizando a MIM pela derrota de Freixo, e não a falta de capacidade de se conectar com o povo.

Não fui o único. Mas muitos amigos preferiram se abrigar no PSOL, mesmo sabendo que a pauta lá era preconceituosa e ignorante sobre o universo teológico no qual estamos inseridos, e que causa estragos terríveis no mundo político. De polícia a traficante, de réu a juiz, todo mundo é evangélico.

Me tornei non grata. Ao mesmo tempo, percebi que existem pessoas lutando contra a igreja, dentro da igreja, porque tem compromisso exatamente com a igreja. Me inseri nesse grupo.

Eu não estou lutando por um prefeito. Por um partido do Leblon.

Tampouco na Maré. Eu luto por uma utopia, a utopia do Reino de Deus, a mesma utopia que levou um homem negro à execução pelos romanos no primeiro século. Esse cristianismo é mais pleno e justo que o marxismo. Passa longe demais do capitalismo. E alcança o sujeito.

As reflexões voltarão este ano, mas repare, em cima da hora. E para apoiar Henrique Vieira para prefeito. Então, muitos gentios se sentiram grandes teólogos, certamente parte do privilégio de pessoas brancas de esquerda burguesa, que se adonam de todos os discursos para seus próprios interesses.

Eu descobri meu lugar.

Meu lugar é trabalhando por uma igreja que se pareça com aquela que Jesus reuniu. Que sacie fome e sede de Justiça. Que esteja pronta pra ser presa pelo oprimido. Com o oprimido. Morta, se preciso. Pelo pobre, pelo que não lê, não escreve. Isso, em si, já é um projeto político muito disruptivo.

Escritor e ativista social, nascido em Madureira, Rio de Janeiro. Em 2016 lançou Rio em Shamas, indicado ao Jabuti de 2017, pela Editora Objetiva. Foi roteirista na Rede Globo e Multishow/A Fábrica, colunista da Folha de São Paulo e Metrópoles.

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