Olympe

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Quando eu entrei no Olympe, o melhor restaurante do Rio, ontem, achei tudo bonito.

A mesa, cheia de talheres, de taças. Vários pratos. Tudo limpo, silencioso, tinha flores, garçons mais educados no trato que muito universitário ativista libertador do mundo. Eu fui nesse restaurante por causa da Su. Ela queria me levar prum SPA, e eu sou homem de SPA? Eu, todo gordo? Como recusei, decidi ir a algum lugar que ela, como aluna de gastronomia, gostaria de ir.

Eu tinha guardado uma grana pro meu aniversário e, como não sou de comprar nada, decidi fazer algo com ela. Ela escolheu o Olympe.

Su não tem meio termo. Morou em São Francisco, meu amigo. Sabe falar “Cordon Bleu” igual francês. Antes da comida chegar, toda uma cerimônia, uma servição de água mineral, um cardápio fortemente guarnecido nos argumentos financeiros, mas eu olhei em volta, e me senti pequeno.

Meu primeiro emprego foi de porteiro. Um dos melhores empregos que tive foi vendedor de revista religiosa. Na rua. Já entreguei quentinha, já entreguei propina, já pulei muro de trem. Eu travei. E chorei uns minutos. Não merecia estar ali, e no entanto, estava. Veja, como é a vida. Uma atriz, sentada ao nosso lado, disse ao maitre: “Tem alguma coisa nova? Me traz algo novo, por favor.” E pra mim, tudo ali era novo, distante, outro mundo. O conflito entre o eu pobre e o eu menos pobre que pôde ir no Olympe pra comemorar a única vez na vida em que fará 40 anos foi forte no momento em que a comida chegou.

Eu chorava na frente da Su, e não tava disposto a dar explicações. Meu camarada: ser pobre é uma merda. Você nunca vai se achar um dia apto pra desfrutar a vida. A pobreza é uma parada que fode a alma da galera mundo a fora.

O chef veio conversar com os clientes nas mesas, e com a gente. Foi quando chegou o Boeuf de mignon com One Thousands of Sacanagens e molho de Bagulets Frescos, e a primeira coisa que eu falei pra ele, sem lhe devolver o boa noite, foi:

-Como se come isso?

Claude sorriu e me disse: Como você quiser, meu caro. Com garfo, faca, com as mõons, como quezer.

Eu desmontei o prato, bonito, e passei a faca na carne. Foi quando percebi que ele me olhava, curioso, e perguntou o que estávamos achando. Só lembro mesmo disso. Porque a resposta deu origem a quase uma hora de conversa, sobre a vida, o Brasil, a Zona Norte, a época em que ele trabalhou como chef para o Fernando Henrique, a minha cachorra, Madureira, as histórias de vida da Su, meu aniversário, e a diferença entre o podrão de Marechal Hermes e a comida servida ali. A atriz acabou entrando no papo. Meio que todo mundo juntou as mesas.

No fim, veio uma sobremesa com vela, e o time todo cantando parabéns. Eu pensei muito na vida, como um silêncio naquela hora, que a vida passa, e que comemorar enquanto dá é o caminho.

Quando levantei pra ir pagar a conta, o maitre disse que Claude nos dava o jantar como convidados dele.

Eu levantei e dei um abraço em todo mundo que vi pela frente. E meu cartão do Bradesco gritava Aleluia.Eu dei um abraço no Claude, disse que tinha como pagar, mas ele disse que não tinha nada a ver. A noite foi importante pra ele. Ele queria me dar isso. E nos levou na cozinha. E a Su conheceu tudo. E ganhamos um vinho. E o convite pra voltar em 3 de dezembro de 2015. E eu saí de lá pensando em tudo na vida.

Entende?

Escrito em 4 de dezembro de 2014, este texto é considerado pela crítica literária o primeiro texto significativo de Anderson França

Escritor e ativista social, nascido em Madureira, Rio de Janeiro. Em 2016 lançou Rio em Shamas, indicado ao Jabuti de 2017, pela Editora Objetiva. Foi roteirista na Rede Globo e Multishow/A Fábrica, colunista da Folha de São Paulo e Metrópoles.

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