Sermão de Domingo e as Neurose Loka

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Evibare nous and evibare hates Chris porque sabem que sou de igreja crente. Na verdade, vivo na época em que ninguém pode falar nada de crente. Beyoncé é crente, Gretchen é crente, Tem crente safado? Eu, por exemplo. Sou o maior dos crente safado que já pisou na face da Terra. Mas tem crente que presta? Aí depende. Quando ele já tá sem dar o dízimo há 5 anos, eu já simpatizo.

Em 1992, o melhor crente do mundo passou do meu lado, na Avenida Suburbana, em frente a Igreja Batista da Abolição. Era já de madrugada, eu voltando pra casa, vem um homem alto, negro, de terno branco, numa mão, uma Bíblia, na outra, um charuto do tamanho do meu braço. Era o Missionário Zé Pilintra.

O cara passou do meu lado, fininho, direção oposta, olhos no horizonte, no caso, o horizonte ali era no posto Esso da rua Padre Nóbrega. Nem olhou pra mim, o que esfumaçou mais mística daquele charuto. Tava boladão. Ou tinha desistido da igreja e voltou a fumar e puxou logo um feixe de Derby vermelho amarrado com barbante, ou era uma entidade da Floresta da Tijuca atravessando as dimensões entre o real e o mais real ainda. Todo cagado fiquei.

E eu só queria dizer que todo domingo ouço sermãos sortidos. Ontem, foi da IBAB – Igreja Batista (no bairro de) Água Branca, São Paulo, o rev. Ed René Kivitz. Ed René se chama reverendo porque ele se dá o respeito. Malafaia nem pra flanelinha de rua presta. O cara que disser na minha frente “reverendo Malafaia”, todo cagado ficarei, de tanto rir como uma debochada. Mas o sermão do Ed René, deste domingo, ele pá, fala mili coisa, mas ia ter uma banca final, e a pergunta seria: “Como você define Deus?” Ele fora instruído a dizer que Deus não se define. O que é eterno não é compreensível pelo mortal.

Uma vez, na IBAB, eu tava gravando um vídeo com o Ed e ele saca essa: “Deus não existe, existe A IDEIA QUE NÓS FAZEMOS QUE DEUS É.” O cara se dá o respeito, amigo. Embora eu defina Deus. Na banca da faculdade dele, eu ia ser reprovado. Deus pra mim está definido na pergunta que existe entre o outro e eu. Entre o pobre, e eu. Entre o negro, e eu. Entre o trans, e eu. Entre o oprimido e eu, existirá SEMPRE uma pergunta. Um desconforto, um hiato, um silêncio que precisa ser quebrado, um abraço que falta, uma lacuna, existe uma pergunta, e apenas uma, entre eu e o outro, e Deus está definido neste lugar, neste conceito, nesta dimensão.

Porque só percebe Deus quem é humano ao ponto de ouvir essa pergunta. Se não há entre você e o oprimido nenhum desconforto ou pergunta, você pode estar morto. Ao olhar para o oprimido, o próprio olhar dele te pergunta algo. Essa pergunta, ela é Deus. Não sente isso, quem já perdeu a humanidade. E isso explica a pessoa que permanece apoiando Bolsonaro. Essa pessoa não tem mais jeito. A pessoa que sai aos domingos pra ironizar já as mais de 16 mil mortes por coronavírus, que sai pra bater em jornalista, que sai com raiva, com fúria, esse pessoal tá sempre com raiva. Esse pessoal não sente mais o outro. A pergunta que existe entre ele e o outro, numa cama, preso a um respirador. Esse pessoal não ouve mais nada. Esse pessoal não percebe mais a Deus. Porque Deus se define na pergunta que existe entre o outro e eu, e a resposta é empatia.

Escritor e ativista social, nascido em Madureira, Rio de Janeiro. Em 2016 lançou Rio em Shamas, indicado ao Jabuti de 2017, pela Editora Objetiva. Foi roteirista na Rede Globo e Multishow/A Fábrica, colunista da Folha de São Paulo e Metrópoles.

somos a primeira voz
que você ouve pela manhã.
a última com você na cama.

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